Crítica publicada no Jornal O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 30.07.1977

Barra

Flicts

Curioso: em menos de seis meses foram realizadas, no Rio, duas montagens da peça Flicts, de Ziraldo e Aderbal Jr., e, mais curioso ainda, os dois trabalhos se equivalem na frustração de tentar passar, através do palco, a carga poética do livro original. Ao final das duas encenações, ainda coincidentemente, a informação dirigida à plateia é a de que a ida para a Lua é apenas uma fuga e não uma descoberta.

Nesta montagem dirigida por José Roberto Mendes, em cartaz no Teatro no Gláucio Gill, faltava ao elenco, no dia em que vi o espetáculo, o vigor, a energia e a expressividade necessários. Isso já se notava no início, quando as ações são muito repetitivas, previsíveis e gastam um tempo além do desejável. As informações se repetem e o clima vai se esvaindo até que cria-se uma barreira entre palco e plateia. Esse panorama começa a modificar-se quando Isabela Secchin (Flicts) coloca uma carga emocional no seu trabalho, estabelecendo para a plateia as dificuldades de quem se sente rejeitado. A encenação começa a crescer e a ganhar força até o momento da cena das bandeiras. Inicialmente expressiva essa cena começa a se repetir demasiadamente (falha do texto) e a direção não consegue compensar isso, apesar de tentar uma dinâmica na utilização do espaço.

Com a falta de garra e sem a sensibilidade e a força poética da história original, essa montagem de Flicts vai caminhando entre altos e baixos. Muito irregular, ela deixa no espectador momentos de envolvimento (a viagem para a Lua, por exemplo) e instantes absolutamente frios, distantes, chochos. O final, por exemplo, que traz a força do encontro procurado por Flicts, desde o início do espetáculo; que tem a carga imensa da identificação; que mostra a Flicts que ele está vivo e que não está sozinho; – esse final que por todas as suas implicações deveria ser a cena mais significativa, é um dos momentos mais inexpressivos da montagem.

Ao mesmo tempo, por paradoxal que possa parecer, essa montagem pode ser recomendada para nossos filhos. Para os que já conhecem o original será uma curtição ver, em ação, o que já foi tantas vezes olhado nas páginas estáticas do livro; e, para os que tomarão contato com Flicts pela primeira vez, há sempre o encanto das cores e a identificação com os patinhos feios da vida. A montagem não ameaça nossos filhos com ideais retrógradas e nem com uma encenação comercial feita às pressas. O trabalho é bem cuidado, o elenco (um tanto irregular) acaba obtendo um saldo positivo e a restrição que se faz é basicamente uma: o grande descompasso que existe entre um livro estático e um espetáculo dinâmico. Paradoxalmente, no livro há muito mais vida, muito mais poesia, mais envolvimento.