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O teatro não tem fronteiras. O Brasil não se conhece. Este ano fui ao Amazonas e vi que o único vínculo que o Norte do País tem com o Sudeste é a televisão, o que é lamentável, porque não é assim que a gente conhece o outro. Vejo neste Festival o intercâmbio das nossas regionalidades, da nossa cultura e das nossas ideias, do que é fazer teatro infantil.

Saímos de um debate muito rico, onde falamos sobre o conteúdo, sobre o conflito, a questão de a criança ser trabalhada às últimas consequências para o teatro infantil.

Não existe teatro para criança, nem para qualquer pessoa, se não existir uma verdade na procura de um conteúdo. Qualquer conteúdo que você trabalhar, dentro de você mesmo e com outras pessoas, estará trocando, genuinamente, o que você quer trocar. O teatro é uma troca, de gente viva. Nada mais legal que um Festival para fomentar ideias, suscitar opiniões diferentes para trocar. Teatro é isso: é generosidade e a receptividade da troca.

Quando fazemos teatro para crianças, temos um público muito especial que pode ser encaminhado para as várias percepções do mundo. Temos essa responsabilidade com a criança, que é lidar com o despertar de muitas emoções, de muitos pensamentos e de muitas resoluções. Porque quando trabalhamos com crianças, podemos estar trabalhando com temas complicados para nós mesmos, como a “morte”; com temas felizes, como a descoberta da música, (caso do Tuhu, o menino Villa-Lobos); podemos estar despertando para o prazer de estar vivo. Essa é a forma que vejo o teatro para crianças. Cada criança que estiver sentindo o prazer de brincar, o prazer de ver teatro, o prazer de viver, vai ser certamente uma criança muito menos violenta, muito mais ligada com as coisas positivas do mundo. Precisamos ter a felicidade de ter cada vez mais seres humanos, – mesmo que globalizados, – mas sem perder a essência da humanidade. A função do teatro é de trocas, de despertar emoções tão profundas e às vezes tão conflitantes para nós.

Na apresentação da peça “Tuhu” aqui, fiquei muito feliz de ver as carinhas das crianças na hora em que o “Tuhu” saiu correndo e as crianças ficaram protegendo o personagem. Elas estavam protegendo a elas mesmas, estavam identificadas com o que ocorria, em cena. Estava aprendendo um pouquinho mais de nossa cultura, fato muito importante.

Quando eu fiz o “Tuhu”, queria levar Villa-Lobos para as crianças. Não que eu quisesse ver as crianças “pós-graduadas” em Villa-Lobos, mas sim que começassem a apreciar outras músicas; que começassem a perceber o som do mesmo jeito que o “Tuhu” percebia: o som do pássaro, o som do rio, o som das matas, o som do Brasil. E essa riqueza que tem no Sul, que tem no Sudeste, no Centro-Oeste, no Norte do nosso País, isso tem que se conectar, – não só pela televisão, daí a importância desse Festival.

Eu quis muito estar aqui neste Festival, então mandava os release, as fotos e ligava falando: “vem cá, já tem resposta ?!” Fiquei muito à vontade de ver esse encontro aqui. As minhas expectativas com relação a este 1° FENATIB estão acontecendo. Pena que eu não possa ficar mais, mas a troca está acontecendo. E uma pena que não vai dar tempo para conversar com todo mundo; saber das pessoas da Bahia, saber um pouco mais das pessoas de Passo Fundo, de Maringá. Mas isso não tem pressa; porque a gente tem o ano que vem, com certeza. E no que depender das produções que fizermos no Rio, sempre vou querer mandar o release das minhas peças e propostas de trabalho, porque acho fundamental este encontro. Acho fundamental, mesmo!

Nestes tantos anos em que faço teatro, nunca tive a oportunidade de participar de um Festival Nacional de Teatro Infantil, – depois do extinto “Mambembinho”, que andava pelas capitais do Brasil. Então é um prazer estar aqui, de todo o coração. Estou feliz por conhecer pessoas novas e fazer tantos amigos!

Entrevista concedida a Dirceu Bombonatti

Não podemos procurar o conteúdo, o tema e o texto fora de nós mesmos. São as nossas urgências, as nossas emergências que determinam de que queremos “brincar”, (eu chamo de brincar; fazer teatro para mim é jogar, é brincar, mesmo). Então esse tema do VilIa-Lobos, por exemplo, foi me interessando cada vez mais, pela criança que ele era e que é, na verdade, uma criança comum como qualquer um de nós. Era uma criança comum que acreditava no queria viver.

Cada um que está fazendo teatro para crianças tem que buscar a própria criança que tem dentro de si. Mireau falou (quando já era velhinho), que só conseguiu realizar-se quando, finalmente, desenhou como criança. É muito importante a gente trabalhar a emoção infantil, a sensação infantil, que em nenhum momento, pode se desvincular da nossa criança, se a gente quiser fazer arte.

E não acho que fazer teatro infantil seja menor, ou seja, uma etapa para fazer o teatro adulto em seguida. Para fazer teatro infantil, ou adulto, a gente tem que caprichar para que esse teatro possa ser assistido pelo pai da criança, pela mãe da criança, por todo mundo, para comungar essa ida ao teatro; para que isso seja um belíssimo ritual inesquecível na memória de todo mundo. Isto é formação de plateia.

O teatro é muito democrático na sua vivência. O teatro é para todos, e todo mundo já foi criança, não tem jeito! Por isso a importância de se colocar em cena as lembranças de coisas da nossa infância, como as brincadeiras que vivem com outras pessoas, com nossos primos, ou quando colocávamos uma roupa do baú da nossa mãe.

Acho que uma das coisas mais ricas que nós temos é a nossa própria história. Existe a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais que tem muitos textos do Brasil inteiro. Basta descobrir o que você quer trabalhar. Fora isso, acho que temos um super material que são os nossos temas populares, nossos contos de tradição oral que todos podem trabalhar, porque quem souber contar uma história no palco, pode escrever esta história.

A gente tem muito material para escrever, como “Hamlet”, “A vida de Noel Rosa”, “A Vida de Ari Barroso”; temos tudo na mão. Ainda mais num país como o nosso que é cheio de lendas e mistérios…

Comecei a escrever quando vi que toda a teoria não era satisfatória para aquilo que queria encenar. Aí você começa a ver que sabe escrever teatro porque já leu, você dialoga o dia inteiro. A leitura de autores como Bergerá, Shakespeare e milhões de outros livros clássicos é importante, não só para montar os clássicos, mas para você entender e estudar estas estruturas.

O conselho que dou para todo mundo é ler, ler muito e sentar o bumbum na cadeira para escrever, sem preguiça de jogar o papel fora; de amassar, dobrar e achar que está uma porcaria… Mas temos que jogar muita coisa fora para achar algo bom.

Se a criança de hoje tiver a chance de ser convidada, de ser provocada para assistir outras coisas, ela vai assistir. Estou tento a oportunidade de realizar, lá no Rio de Janeiro, uma ópera para criança. (E ópera é uma coisa chata, não é?). Assim, a princípio, ópera é uma coisa séria para adulto, que não devemos nem pensar em assistir. E a minha experiência com essa ópera foi de que as crianças são absolutamente receptivas às coisas, – todas. Basta à gente dar oportunidade e saber propor para que isso aconteça. Se as crianças assistem muita televisão, certamente os pais não estão brincando com elas, o que é profundamente lamentável.

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Karen Acioly
Autora e diretora de teatro, Rio de Janeiro.

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Obs.
Texto retirado da Revista FENATIB, referente ao 1º Festival Nacional de Teatro Infantil de Blumenau (1997)