Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 11.12.1976

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A Festa do Boizinho (do real para o criativo)

A relação com o boneco é sempre muito estimulante para a criança. E quando os bonecos, além de expressivos, são ainda bonitos, a comunicação e o envolvimento ampliam sua dimensão. O grupo Lota Produções Artísticas contratou para fazer os bonecos de A Festa do Boizinho o tantas vezes elogiado (inclusive por esta coluna) Chico Aleixo. E a expectativa aumentava na medida em que este seria seu primeiro trabalho depois de ter se enriquecido e se atualizado como participante do Festival Internacional de Teatro de Bonecos realizado este ano, em Moscou. Entretanto, o trabalho de Chico Aleixo é uma decepção. Os personagens ricos (Amo e sua filha) ganharam bonecos bonitos e os personagens pobres, bonecos feios. Como exceção, temos a velha Catilina e o índio Tuxaua (que, mesmo sendo pobre, atua contra o povo, como capanga do rico); esses também são bonitos.

Para quem vem defendendo a preservação de nossos valores culturais é gratificante poder notar que o folclore vem sendo utilizado seguidamente como tema para as peças infantis. Cláudio Ferreira procura mostrar para uma cosmopolita plateia carioca, distante cada vez mais da nossa cultura verdadeiramente popular; o que é um bumba-meu-boi. Utiliza-se, inclusive, de um texto introdutório nitidamente explicativo. Entretanto, o ponto de partida, digno de todos os elogios, não foi suficiente para a obtenção de um espetáculo significativo.

A Festa do Boizinho, além de contar com bonecos feios, se caracteriza por ser uma encenação fria. O diretor Cláudio Ferreira, não tendo conseguido obter a chave para a movimentação de seus bonecos, criou uma montagem visualmente monótona e com um ritmo determinante de um progressivo distanciamento entre o público e o que acontece no palco. Faltou, à direção, senso de medida nas partes musicais que se repetem sempre iguais, tanto na letra como na dança. O fato de que tais manifestações populares são repetitivas (ver também o congado e o moçambique) não significa que o teatro, ao utilizá-las como tema, fique aprisionado às formas reais. Na realidade, a função do teatro está, exatamente, em ampliar e extrapolar essa realidade, recriando-a. É aí, precisamente, que se faz a diferença entre imitação e criação.

Entretanto, há bonecos, há músicas e há danças – mesmo sendo tão pobres em termos criativos… E tudo isso mobiliza a criança. Sob este aspecto o espetáculo se justifica como um programa para nossos filhos, principalmente para aqueles que nunca tiveram chance de conhecer o bumba-meu-boi.