Em cena a atriz Flávia Bertinelli

Crítica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 08.07.2016

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Feio, um infantil acessível para surdos e cegos

Última semana para ver, no Sesc Vila Mariana, em São Paulo, esta versão do clássico conto do patinho feio, de Andersen, que ganha incrível viço ao valorizar a narração

Conheço a diretora e dramaturga Cintia Alves há alguns anos e por espetáculos inesquecíveis, todos premiados, como Moby DickPedro Paulo Pedregulho e Uma História que a Manhã contou ao Tempo para Ganhar a Rosa Azul, inspirada no livro O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá’ de Jorge Amado. Depois disso, ela passou um tempinho fora de São Paulo, morando e atuando no Interior, na cidade de Catanduva. Como crítico, eu sentia falta de mais um grande espetáculo conduzido por ela, tantas vezes premiada com APCA, Mambembe, Prêmio Coca-Cola de Teatro Jovem e Cultura Inglesa.

Valeu a pena esperar. Cintia está de volta com Feio (codirigido por Leonardo Castilho), que já cumpriu algumas temporadas, depois de ter sido contemplado pelo edital do PROAC de montagens juvenis inéditas, e terá, com certeza, muitas outras pela frente. Em São Paulo, está em cartaz só por mais um dia (domingo, dia 10, às 15 horas) no Sesc Vila Mariana. É mais que uma peça, é um projeto cênico social, por assim dizer. Criada pelo Coletivo Grão – Arte e Cidadania, a atração – baseada no conto O Patinho Feio, de Andersen – surgiu a partir da reflexão do grupo sobre as diferenças de percepção das pessoas surdas e cegas, ou seja, os portadores de deficiências auditivas e visuais.

Mas não é uma peça voltada só para esse nicho de público. Todos podem e devem ver. O grande lance é que Cintia e o Coletivo Grão criaram para o espetáculo o que chamam de ‘acessibilidade estética’, ou seja, incorporaram a língua de libras à interpretação dos atores e substituíram a audiodescrição pela audionarrativa. Não fica no canto do palco uma moça especialista, usando sinais: todos os atores fazem sinais enquanto interpretam. E os cegos não ganham um fone para ouvir uma voz que vem da cabine descrevendo as cenas: há um narrador em cena que faz esse papel – e de forma harmoniosa, criativa, integrada à ação – mais do que isso, conduzindo a ação. A diretora, no início do espetáculo, oferece ao público a possibilidade de ‘não enxergar’ o espetáculo, para vivenciá-lo como os cegos. Disponibiliza uma venda preta para quem quiser usar no rosto durante a peça e não ver nada do que se passa no palco.

Eduardo Bartolomeu, como o narrador, é um show. Tem um domínio da narrativa que fisga a plateia completamente. A clássica história de rejeição, preconceito e bullying – tema que segue atual – ganha um viço incrível, uma potência transformadora, uma renovação empolgante. Ele próprio participou da criação da dramaturgia, ao lado da diretora e de Adriana Lira. Os demais atores da companhia (Delson Marinho, Edgar Benitez, Edson Calheiros, Flávia Bertinelli e Juliana Keiko) revezam-se no papel do patinho feito, resultando em um jogo cênico esperto, dinâmico e muitas vezes meticulosamente coreografado. Preste atenção também na trilha sonora ao vivo, delicada e brincalhona, a cargo das diretoras musicais Juliana Keiko e Lenna Bahule. E outro atrativo extra é a projeção ao vivo de imagens no telão cenográfico, com direção de arte de Lucas Lopes. Os figurinos, assinado por Cintia Alves e Fernando Delábio, brincam graciosamente com acessórios o tempo todo, como as golas de tricô e crochê feitas por mamãe pata para seus filhotinhos recém-nascidos.

“Mas que criatura estranha, parece do avesso! Será que essa criatura saiu mesmo de dentro de mim? Ele é muito… melhor nem falar. ” É a mamãe pata falando de seu filhote diferente, que nasceu diferente dos irmãos e passou a ser rejeitado pela família. Quem ainda duvida de que ‘Feio’ seja um espetáculo mais do que necessário do Brasil da atualidade? Como diz o talentoso narrador, “não importa nascer em um terreiro de patos, quando se sai de um ovo de cisne”.

Serviço

Auditório – SESC Vila Mariana
Rua Pelotas, 141
Ttel.  11 5080-3000
Domingo às 15h
Ingressos:   Comerciários: R$5,00/ Meia: R$ 8,50 / Inteira: R$ 17,00.
Crianças até 12 anos acompanhadas não pagam
Só até domingo (10/07)