O Grupo de 4 no Ato no palco do Teatro Sesi: a grávida Catirina quer comer a língua do boi

Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 24.09.2005

 

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Folclore mal aproveitado

A Farsa do Bumba-meu Boi ignora o significado da manifestação popular

A Farsa do Bumba-meu-Boi está sendo apresentada no Teatro SESI pelo grupo De 4 no Ato. Em “As danças dramáticas do Brasil”, Mário de Andrade destaca o bumba-meu-boi como a mais exemplar, complexa e original de todas as nossas danças dramáticas. Entretanto, na conclusão de seu estudo, o autor vaticina um triste destino para estas danças: “Da maneira como as coisas vão indo, a sentença é de morte”. Mas a vitalidade contemporânea da brincadeira do boi contradiz esse oráculo.

Embora esta pessimista previsão do escritor paulista não tenha se consumado, serve de alerta para que cuidemos da cultura popular brasileira, sob a pena de realmente contribuirmos para a morte destas manifestações.

O bumba-meu-boi é uma manifestação popular carregada de significados que permite uma profunda leitura da índole do povo brasileiro e, mais que isso, do próprio ser humano. No entanto, o texto e a direção de João Balbino reduzem esta manifestação ao tênue fio narrativo condutor da fábula. Na montagem, abandona-se o dramático, o operístico, o popular, aquilo que a manifestação tem de mais rico e importante e que a mantém viva.

O foco, nesta encenação, é a trama. O espetáculo se reduz a contar do desejo de Catirina, grávida, que quer comer a língua do boi do patrão e faz com que Mateus mate o boi, que depois é ressuscitado. Nada permite as claras ilações do trato popular com a questão da morte e da ressurreição. Não há nenhum indício que nos permita perceber a relação com a realidade agrária, que, afinal, motiva esta manifestação. O “drama”, que se estabelece exatamente através da  dança  e da música, é, aqui, canhestro e insuficiente, não traduzindo sua grandeza.

A música, de suma importância , é precariamente conduzida, não só na parte instrumental, como nas melodias de Luciano Cintra e Gilvan Balbino. E nas coreografias assinadas por Maria Quitéria, também responsável pela insuficiente preparação vocal dos atores.

O cenário assinado por Gilvan Balbino e Pâmela Vicenta, se resume a objetos de cena, já que o palco está totalmente nu, dominando apenas um grande boi, bem construído, feito por Pâmela Vicenta, autora dos figurinos. Estes fogem completamente da estética, riqueza e colorido do boi, surgindo como simples roupas básicas, feitas de tecido rústico.

O elenco se reveza nos diversos papéis. Com presença cênica sem força, Gilvan Balbino tem dificuldade de fazer com que seus personagens cheguem ao público, o que acontece, acontece ,mais acentuadamente ainda com Pâmela Vicenta. Felipe Néri tem boa presença cênica, mas, sem direção, exagera em suas composições, tornando-as desnecessariamente caricatas.

Falta uma pesquisa mais acurada para entender o significado mais profundo desta manifestação e permitir que isso se revele na construção do espetáculo. Este é um problema recorrente nas adaptações que abandonam a essência para se centrar na fábula, o que também ocorre com os tradicionais contos infantis.

De 4 no Ato é um grupo jovem. Pode perfeitamente repensar a forma como aborda os textos e os temas que escolhe para levar ao palco.