Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 01.06.1975

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Fantasia ou Realidade na música de Pink Floyd

O fenômeno do teatro está presente – e com muita vitalidade – no palco da Divina Providência. Há uma forte carga de expressividade, há qualidade artesanal, há conteúdo, beleza e comunhão entre plateia e palco. Quantos serão os espetáculos em cartaz no teatro carioca (adulto ou infantil) que mereçam tais qualificativos?

A ideia de fazer uma montagem tomando a música de Pink Floyd como base é, ao mesmo tempo, enriquecedora e castrante. Enriquecedora, pois a música de Pink Floyd é bastante teatral (na medida em que cria climas diversos, impõe ritmos, usa elementos não convencionais, tem um certo ar cósmico): e castrante, porque a montagem teve de ficar aos ritmos e à duração das músicas. A limitação causada pela fidelidade a música (não parece ter havido corte ou montagem) impediu que o trabalho de Maria Luiza Lacerda empreendesse voos mais altos (voos esses cuja potencialidade não explorada o espetáculo deixa bem clara).

A principal deficiência da montagem esta na falta de definição no estabelecimento de uma convenção apropriada para o público. Sendo um espetáculo de certa forma incomum, é de grande importância que a convenção com o público fique bem clara. Isso evitaria a existência de alguns momentos onde se vê uma gratuidade que não existe na intenção da autora. A principal causa dessa falta de convenção esta na estrutura do roteiro, onde se notam duas linhas muito nítidas: até aparte seis as cenas valem isoladamente, o que nos leva a vê-las como gratuitas; e, da cena sete até o final, já há uma linha de evolução contínua, define-se mais a ação dramática, há maior impacto e mais unidades, e surge o valor através de um conjunto integrado de elementos. Alguns detalhes negativos: a colocação das marionetes é pouco feliz, pois a visibilidade é quase nula: na cena da máquina de ganhar dinheiro, algumas ações não conseguem se definir bem toda a ideia dos sois modos distintos de vivenciar as coisas em A Verdadeira Sabedoria (um analisa destruindo e outro se enriquece contemplando), fica pouco clara; a cena da Esperança (final do momento culminante iniciado com a Construção) acaba de uma maneira bastante pobre, se tomarmos, como comparação, toda a carga dramática existente antes: o final é pouco imaginativo e deixa uma certa frustração.

Mas imaginação é o que não falta neste espetáculo. É frustração é coisa que aparece muito pouco. A sequência iniciada com a Construção e concluída com As Mãos Que Criam a Vida e Amor é o ponto alto do espetáculo. Todos os elementos utilizados (luz, cor, som, movimento) estão perfeitamente integrados na intenção de obter uma força expressiva e comunicativa. Aquelas mãos vermelhas e calcinadas bombardeavam-me constantemente com a visão de Guernica, de Picasso. Mas a criatividade e a riqueza não estão apenas na segunda parte: todo o primeiro tempo é artisticamente muito feliz, misturando ternura e agressividade, comunhão e afastamento; impossibilidade e amor. Ou apenas um prazer estético, como a cena de abertura. Todo o material de cena (criação de Chico Aleixo), com suas cores expressivas, é de bom gosto e de perfeito acabamento.

Fantasia ou Realidade é um espetáculo muito interessante e que vêm atender as necessidades das crianças um pouco maiores, sempre tão desprezadas pelas programações. E que agradará também aos pais: é uma montagem onde o espectador pode sair enriquecido com a dança inicial das notas musicais: com o corpo derrotado de um robô; com a força expressiva de cores e mãos. E atenção – hoje é o último dia e a sessão é às 21 horas.

Recomendações:
Você Tem um Caleidoscópio?, no Teatro Nacional de Comédias: último dia; Fantasia ou Realidade, na Divina Providência; A Varinha do Faz de Conta, no Teatro Armando Gonzaga, em Campo Grande; Criançando, na Casa Grande; Pluft, no Tablado; e A Viagem de Barquinho, no MAM.