Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Flora Sussekind – Rio de Janeiro – 22.09.1979
Teatro Infantil: Palhaços em Bela Montagem do grupo Hombu
Em Fala Palhaço, belíssimo espetáculo do grupo Hombu em cartaz até o final deste mês no Teatro Villa-Lobos, mais do que a história de um dia na vida de uma família de palhaços, o que parece estar em jogo é a representação de um grupo e seu trabalho de criação coletiva Ao mesmo tempo em que se assiste a luta do grupo de palhaços pela sobrevivência, são os próprios atores que, transformados em clowns, se observam e partilham com o publico de uma reflexão sobre o exercício da criação grupal.
Ou, conforme declaração do grupo: “Representar nossa situação grupal poderia ser pouco atraente para uma criança, se não recorrêssemos a uma farsa de imediata identificação”. Daí terem escolhido a figura do palhaço, sempre sedutora para o público infantil e capaz de dar uma dimensão cômica à representação dos percalços por que passa o grupo de artistas circenses. E se são os palhaços que permitem ao grupo uma discussão de seu próprio trabalho teatral, por outro lado, é o processo de criação Coletiva que, define a harmonia do espetáculo e explica o rendimento cênico que Regina Linhares, Sérgio Fidalgo, Silvia Aderne, Tarcísio Ortiz e Beto Coimbra conseguem extrair do palhaço como personagem.
Tudo é feito pelo grupo: roupas, maquilagem, cenário, objetos, musica, direção e, o que é muito importante no caso, também o texto. Quando se trata de palhaços, a manutenção de uma expectativa cômica na plateia é obrigatória. Toda a performance do palhaço gira em torno deste efeito cômico, o que o obriga a um exercício constante de paciência para criar gags que venham a funcionar diante de uma plateia.
A utilização do palhaço no espaço teatral torna o problema ainda mais difícil. Por isso e tão frequente assistirmos a utilizações absolutamente sem graça de palhaços em espetáculos infantis.
Um dos motivos desse aproveitamento deficiente costuma ser urna defasagem entre gestos cômicos e falas excessivamente convencionais. Isso não acontece em Fala Palhaço. Ai, o jogo cômico que domina os corpos dos atores-palhaço transfere-se também a sua linguagem. “Você sabia que o sabiá sabia assobiar?”, pergunta Trepa-Trepa e Lambe Fogo. “Como ta tu? Tatu?”, diz sorrindo Cadaúm. E, como esses, multiplicam-se os trocadilhos e os jogos de palavras. Utilização imprevisível e cômica da palavra que se faz acompanhar de urn relacionamento igualmente insólito com objetos, com o cenário, e de urn jogo constante entre as performances dos palhaços. Todos os gestos e falas são pensados em função de seu efeito cênico, o que o método de trabalho grupal parece ter sido decisivo.
O texto e as performances se combinam, evitando-se assim a superposição de discussões sobre o grupo de palhaços e a criação coletiva privilegiassem o aspecto discursivo em detrimento de sua funcionalidade cênica. Como cada um dos atores não é apenas ator, mas criador de todo o espetáculo, todas as atuações desenvolvem-se visando a sua realização teatral. Tanto o texto, como o cenário em constante transformação, os trajes e o aproveitamento cênico de objetos se ligam organicamente as excelentes interpretações de Regina Linhares, como Lambe Fogo e a senhora que contrata os palhaços para animarem urna festa; Tarcisio Ortiz como Paiaço; Silvia Aderne e Sergio Fidalgo como Trepa-Trepa e Come-Come, que conseguem criar sedução semelhante a motivada pelas entradas dos palhaços no picadeiro.
O que está especialmente bem preparado no principio do espetáculo, quando só se pode perceber as sombras e as vozes dos palhaços, até que, derrubando parte do cenário, invadem de repente a cena e se apresentam nos seus inusitados trajes e gestos frente ao publico. Decisiva, nesse sentido, a importância do trabalho de iluminação de Jorginho de Carvalho. Como quando todos dormem e uma luz amarela faz a figura estática de Trepa-Trepa, com seu acordeão, uma cena muda e inesperada, criada apenas temporariamente pela iluminação. Beto Coimbra é que acrescenta, como o palhaço Cadaúm, uma dimensão musical as situações encenadas. Muito boa a musica que ele e Caíque Botkay fizeram para o espetáculo.
E, como na família de palhaços, cuja solução para a falta de publico e a construção de uma estrela em que ficam girando todos juntos, e com esse número coletivo, esse produto de urn trabalho grupal, que se encerra o espetáculo, não apenas um dos mais bonitos em cartaz, como uma oportuna reflexão sobre o exercício da criação coletiva.