Crítica publicada  no  Jornal O Dia
Por Armindo Blanco – Rio de Janeiro – 14.10.1979

Barra

A Inacreditável Família Hombu

Foi uma feliz dissidência: um grupo de jovens artistas que haviam trabalhado com o mestre Ilo Krugli em memoráveis espetáculos para crianças como História de Lenços e Ventos, resolveram emancipar-se e fundar sua própria família. Deram a esta, o nome de Hombu. E, logo com o seu primeiro espetáculo, A Gaiola de Avatsiú, uma parábola sobre a liberdade, conquistaram o Premio Molière e o Troféu Mambembe.

Os pupilos – Silvia Aderne, Sergio Fidalgo, Beto Coimbra, Tarcisio Ortiz e Regina Linhares -, tinham aprendido bem as lições do mestre: a Gaiola, baseada nos mitos e lendas que dão forma peculiar a cultura brasileira, era um extraordinário exercício de criatividade, inclusive na escolha e utilização materiais pobres, mas de grande efeito visual.

A família Hombu permaneceu unida e esta agora apresentando no Teatro Villa-Lobos, antes de seguir para a Europa, o seu segundo espetáculo: Fala Palhaço. Um regalo, para crianças de qualquer idade (felizes os adultos, como dizia o poeta Shelley, que conservam os traços da criança que foram). O grupo está, naturalmente, mais maduro, na sua propensão para povoar o espaço cênico com as mais inesperadas invenções e tingir de fantasia uma realidade que nada tem de mágica. Para eles, a vida não é exatamente – uma brincadeira; mas, ao descrever um dia comum na existência de um grupo circense, o Hombu mostra toda a imaginação que se deve colocar na luta pela sobrevivência – através do trabalho. Mesmo as decepções podem ter o seu lado positivo, desde que a solidariedade coletiva seja preservada e resista até as pequenas trapaças individuais, ditadas.

O crítico não se arroga a petulância de falar em nome das crianças, de especular sobre o que lhes convém e que tipo de recreio lhes deve ser ministrado. No caso, entretanto, cabe considerar exemplar adesão despertada por Fala Palhaço: pouco antes da lindíssima apoteose da estrela voadora, o público de palmo e meio já está invadindo o palco, querendo participar da festa. Depois com a estrela rodando, vão ver de perto os objetos de cena, as figurações de mentirinha como a vaca do cartão que supostamente deu o leite matutino. Estes impulsos coletivos, quebrando a barreira da quarta parede, não é fenômeno corrente: na maioria das vezes, as crianças se comportam indocilmente na platéia, mas indiferentes ou alheias ao que se passa no palco. Fala Palhaço, porém lhe mobiliza a atenção e aguça a curiosidade. E o resultado é esse clima de festa que desde o começo vai tomando conta da sala e atinge o apogeu com a correria final em torno da estrela de papel colorido, construindo a: vista de todos como se fosse um jogo de armar.

Os integrantes do Hombu são particularmente talentosos. Eles criam o espetáculo em todos os seus níveis do texto à coreografia, passando pela música (Beto Coimbra e o convidado especial Caíque Botkay, cada vez mais inspirado) e pelos imaginosos e dúcteis adereços. Alem disto, são atores de uma simpatia estuante e irresistível comunicabilidade: nada do que fazem se assemelha a um truque, nem se distancia do cotidiano imediato. Mas tudo, neles, dos gestos à habilidade: artesanal, parece improvisado e/ou desenvolvido na hora; e tão denso e rico,na sua aparente simplicidade, que me atreveria a dizer que não é indispensável ­ ter filhos para ir ao Teatro Villa-Lobos admirar a arte e o engenho desta inacreditável “família”. Claro, o importante e levar crianças; mas, quem não as tem, poderá reencontrar, em Fala Palhaço, os ecos de um tempo em que ainda não precisava de lutar pela vida e cada informação nova valia por uma palavra mágica, era uma porta aberta para o futuro, um alumbramento ainda não ofuscado pela caça ao dinheiro. Não se trata; note-se bem, de simplesmente recuar no tempo, em busca da pureza perdida, mas de recuperar a fé e os sonhos que a vida vai corroendo, e aquela percepção do mistério das coisas que, como acreditava Portinari, só a criança tem.

Serviço:
Fala Palhaço está em cena no Teatro Villa-Lobos – Avenida Princesa Isabel, 44O, sábados às 17 horas e domingo às 16 horas, com ingressos a Cr$ 60,00