Crítica Publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Macksen Luiz – Rio de Janeiro – 04.02.1988
Crítica: Exercício nº 2 / Exercício nº 3
Vontade de pesquisar
Na área da pesquisa teatral nem sempre se consegue deixar clara as intenções que no plano teórico parecem translúcidas. Na experiência SESC Ensaios, que sob inspiração da irrequieta Bia Lessa remexe com a linguagem cênica, procurando rejeitar os cânones realistas e investigar conceitos como espaço e tempo, há uma considerável distância entre a formulação e o desenvolvimento da gramática do espetáculo.
Tanto José Luiz Rinaldi (Exercício nº 2) quanto André Monteiro (Exercício nº 3) são oriundos do núcleo de pesquisa de Bia Lessa desenvolve no Teatro do Sesc da Tijuca e, portanto têm uma natural identificação com a linha de trabalho que inspira a diretora. E é justificável que assim seja, afinal cada um ainda está à procura da sua própria referência, da mesma forma que a inspiradora foi, progressivamente, se desligando da influência de Antunes Filho. Mas o que se repete nessas duas montagens – apropriadamente designadas e Exercícios manipula com maior segurança (estética despojada a serviço da decomposição de sentimentos). A cena é seca, quase limpa, os movimentos dos atores são complementares, fechando e abrindo em torno de emoções contraditórias, que se seguem umas às outras como se quisessem estabelecer alternâncias.
Em Exercício nº 2 esse processo se evidencia na coreografia corrida dos autores que expressam os sentimentos dos personagens em permanente choque dos contrários. Rinaldi transpõe um dos romances (Justine) do Quarteto de Alexandria, de Lawrence Durrell para a sua peça curta(45 minutos), através de imagens que servem à essa sucessão de emoções entrecortadas por cortes quase cinematográficos. “A cidade é uma armadilha” (as pedras soltas no cenário são o seu indício físico); “as mesmas ruas se cruzam sem fim” (como os dois casais que intercambiam o seu afeto): essas e tantas outras frases demonstram bem o espírito de Durrell. Diante da mulher, por exemplo, Durrell afirma que só há três possibilidades ao homem: amá-la, fazê-la sofrer ou então fazer literatura. È a que ele escolhe. Rinaldo o acompanha. Seu espetáculo não possui um código impenetrável, mas reduz a saga de Durrell sobre a cidade e Alexandria e seus apaixonados habitantes a um melodrama literário de proporções modestas. Há uma tentativa de desestruturar uma linguagem sem substituí-la por outra que valorize a que se pretende superar. A qualidade literária do romance de Durrell, já em si discutível, na versão condensada de Rinaldi se pulveriza por questões técnicas de adaptação e pelas dificuldades do elenco em dar uma dimensão pessoal a emoções já que si muito carregadas.
Em Exercício nº 3 há uma procura da originalidade através da integração entre cenário e atores. O cotidiano de ma família classe média e a solidão a que seus membros estão submetidos são os elementos com que André Monteiro tenta explorar uma comunicação teatral renovada. Mesmo com a engenhosidade do cenário de Doris Rollemberg, parte constitutiva e essencial na linguagem do espetáculo, a ideia absurda e metafórica de uma casa que abriga as neuroses domésticas não se completa. Se alguém vive no alto de um armário, ou outro se mete sob a cama ou a entrada e saída se fazem através de um móvel, nada parecerá estranho, já que, menos do que rompimento e novidade, Exercício nº 3 recorda as invenção verbal. Os diálogos banalizam as imagens e, muito raramente, o espetáculo ganha autonomia e encontra uma trilha original por onde possa expressas os meus fundamentos teóricos. A destacas no elenco o histrionismo de Marcos Oliveira e a máscara de Carolina Virguez.
O duplo exercício de teatro pode ser visto no Teatro do Sesc da Tijuca não tem a pretensão de mostrar produções acabadas, mas apenas revelar o processo de pesquisa de que evolui nas oficinas da Tijuca com seriedade e vontade de transformar a linguagem do teatro.
No intervalo de 15 minutos entre o Exercício nº 2 e o Exercício nº 3 o espectador pode assistir ao vídeo do Exercício nº 1, montagem da Bia Lessa que sedimentou muitas das preocupações da diretora. São bonitas imagens intercaladas com depoimentos de atores, diretores e alunos de teatro sobre teatro de pesquisa. Alguns depoimentos são surpreendentes. Vale a pena conferir.