Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 27.05.1978
Fantasia é bom ou ruim?
Eu, no Mundo da Fantasia, de Flavia Filgueiras Aguiar, em cartaz no Teatro da Gávea (Shopping Center), é uma peça que peca, essencialmente, pela falta de estrutura dramática. O texto avança aos saltos, de modo muito descosido e sem cuidar das ênfases necessárias, o que provoca um resultado um tanto caótico: há uma grande confusão, as ideias não ficam claras. O que parece ser a ideia central (será mesmo?) não se define com vigor. O final ficou a sugestão (apenas sugestão) de que a peça propõe a discussão de uma tese: quanto menos comunicação houver entre pais e filhos, mais as crianças penetrarão no mundo da fantasia. Ao mesmo tempo, o texto não esclarece os verdadeiros limites desta fantasia.
Há a fantasia saudável e, como o espetáculo e o texto não definem bem as coisas, fica sempre a pergunta: até que ponto não será útil para a saudável fantasia infantil a existência de pouca comunicação entre filhos e pais? E há, também, a fantasia que ultrapassa os limites do equilíbrio mental fazendo com que a pessoa se afaste da realidade e passe a viver num mundo inexistente. Mas o mundo de fantasia em que a menina penetra, nesta peça, enquadra-se na faixa do saudável ou do doentio?
A falha básica do texto – falta de clareza nas ideias – é também a falha básica da direção de Flávio Cerqueira. Da mesma forma que o texto, o espetáculo é confuso e sem definições. A encenação é muito descosida, sem ênfase, e chega a apresentar para a plateia momentos absolutamente antiteatrais. Exemplo: dois atores sentam-se na plateia e fica uma atriz sozinha no palco soprando uma bola enquanto fala boneca, carrinho, velocípede, etc. Não há qualquer ação, o público não recebe qualquer informação verbal ou visual, nada acontece. Além do mais a direção é sem brilho e, apesar de contar com músicas ao vivo, tudo é muito chocho, sem vida. Os atores Fátima Maciel, Maurício Lessa e Tânia Moraes dão a impressão de não estarem à vontade. O comportamento não é solto, relaxado, ainda mais quando a encenação exige um tipo de comunicação com a plateia. Fica no ar a impressão de que as coisas não foram totalmente resolvidas e assimiladas; ou, então que não foram suficientemente pensadas e discutidas. Em síntese, falta ao espetáculo a informação básica que não é dada nem pelo texto, nem pela direção, nem pelos atores essa peça quer dizer o quê? Sem essa informação, todo espetáculo se frustra.
A ressaltar, algumas ideias boas do texto, como a crítica às meninas que não brincam com bola e aos meninos que não brincam com bonecas; e os meninos citados (“Escuta tudo, mas não fala nada”, Enxergam bem e vê mal). Porém, são coisas apenas lançadas e nada exploradas.