Gê Orthof e Hamilda: chovendo no MAM

Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Ana Maria Machado – Rio de Janeiro – 17.07.1976

 Barra

Da Bagunça Descabelada ao Grito Libertário

No Museu de Arte Moderna, Eu Chovo, Tu Choves, Ele Chove é uma peça contagiantemente divertida. Parte de um texto desvairadamente alucinado, aparentemente sem pé nem cabeça, como ele mesmo faz questão de se classificar para no fim, assim como quem não quer nada, os diversos fios do novelo se desembaraçarem e se amarrarem num grito libertário antiindividualista. É o personagem mudo e passivo que só vira gente quando grita e resolve abrir o zíper que lhe faz a boca. São os empregados que obrigam o patrão mandachuva a tomar banho, em plena reviravolta de uma tromba d’água que já desceu ao fundo da poça. É a concepção de felicidade não eterna nem adquirida em um passe de mágica, mas quotidianamente construída no processo de enfrentar as paquidérmicas dificuldades. E é ainda a crença no poder da imaginação e do faz de conta para refazer o mundo e dar uma melhor visão do real.

Para isso, o jovem elenco não se poupa, se esforçando com a consciência do valor de cada gesto, do tom de cada frase, do sentido de cada pausa. O cenário, simples e criativo, oferece um encantador suporte para esse trabalho. E as músicas, variantes de temas infantis populares, introduzem ao mesmo tempo uma dimensão de equilíbrio entre velho e novo e um espaço de crítica divertida ao já conhecido, de sátira ao clichê, que muito contribui para tornar irresistível um espetáculo que começa a crescer a partir de sua entrada em cena.

Entre os outros espetáculos em cartaz, pelo menos dois apresentam qualidades excepcionais a exigir sua recomendação entusiasmada, ambos a partir de textos de Maria Clara Machado: a descabelada montagem de A Verdadeira História da Gata Borralheira e a lírica e poética versão de O Patinho Feio. Ainda da mesma autora, Maria Minhoca continua justificando sua escolha como um dos cinco melhores espetáculos apresentados no Rio no ano passado. E restam também outras alternativas: Palhaçadas e Pipocas de Papiro, ambas mais destinadas às crianças mais velhas e adolescentes, e Faça do Coelho Rei. Sem esquecer que, dependendo do tempo, a maravilhosa Melão City está de volta em apresentações ao ar livre.