Recriando a estética do conto de fadas, Eliane Ganem coloca em As Estórias de Sherazade elenco afinado a um texto privilegiado

Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 05.10.1996

 

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Espetáculo se torna uma agradável leitura

Os contos das Mil e uma Noites sempre chegam a nossos palcos e aos demais veículos em suas histórias mais conhecidas, como Aladim e a Lâmpada Maravilhosa ou Simbad, o Marujo. A autora Eliane Ganem, no entanto, escolheu para rechear seu texto As Estórias de Sherazade, talvez a mais simples e adequada delas. Em suas pesquisas, descobriu que Sherazade existiu mesmo e que as histórias que se encontram nas Mil e uma Noites, recolhidas na tradição oral, editada pela primeira vez em árabe, eram consideradas histórias de cura. Uma espécie de terapia inversa ao jogo do contente de Pollyana, que contém no enredo sempre uma dor maior do que a do paciente.

Com muita propriedade, Eliane Ganem conta em seu texto à história da própria Sherazade e do Sultão Shariar, aquele que depois de traído pela mulher, casa-se novamente e passa a matar suas esposas logo após a noite de núpcias. A história escolhida e que mantém Sherazade viva a tempo de o sultão se apaixonar é também um enredo de traição, uma história de cura, não desprovida de humor, que evidencia a cegueira do ser humano diante das situações de conflito.

A direção de Jorge Crespo ressalta o tom colorido do conto de fadas, sem, no entanto, banalizar o enredo. Dividindo muito bem o tempo das duas ações – a trama de Sherazade e Shariar com a encenação da história que está sendo contada -, Crespo cria um espetáculo dentro do outro, sem nenhum tipo de truque ou efeitos especiais que pasteurize a performance. A encenação se desenvolve como agradável leitura, onde o tom intimista é preservado sem que se perca o senso de espetáculo. Uma medida poucas vezes alcançada, no palco para crianças ou adultos.

Em cenas, Marcela Leal vive Sherazade, preservando a sensualidade velada da personagem em tempo exato. Cláudio Gabriel, que interpreta o sultão consegue boas nuances em seus outros personagens. Letícia Hees, Pedro Chicri e Vinícius Messias, completam o elenco com boas interferências na trama.

Os cenários de Jorge Crespo preenchem a cena com bom gosto, usando como adereço amplas cortinas de tecido leve que criam a ambientação adequada para o conto. Os figurinos, de Norma Ribeiro, seguindo a linha convencional, sem muitas invenções, tem colorido, brilhos e pedrarias aplicadas, exatamente como se espera que se vistam os personagens. Completando o quadro, a iluminação de Djalma Amaral faz as mudanças de climas e ambientes com precisão. Os adereços de luz, sua marca quase registrada, permitem as rápidas mudanças de cenas da peça.

As Estórias de Sherazade, em cartaz no Teatro Cacilda Becker, é um espetáculo onde está em cena a história. Uma raridade na atual temporada.

Cotação: 3 estrelas (Ótimo)