Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 03.08.1975

Barra

A Moça Preguiçosa

Eis um espetáculo que consegue obter – num nível de qualidade elevado – a difícil harmonia entre um bom texto, uma direção expressiva, um elenco seguro e comunicativo (tanto que atores como de bonecos), uma música gostosa e teatral, e cenários e figurinos eficientes e criativos. Fica muito patente que uma das causas do bom resultado artístico esta na capacidade de trabalho em conjunto dessas cinco famílias, parentes entre si, que atendem pelo sobrenome genérico de Martini.

A peça de Maria de Lourdes Martini é muito bem cuidada e, apesar de ser toda em versos, o tratamento recebido por ela, pela montagem, elimina qualquer dificuldade de comunicação que poderia existir entre o público e um texto obrigatoriamente mais formai e duro que uma linguagem cotidiana. Baseada no folclore, a peça tem um charme todo especial, com seus personagens e situações singulares. Apenas discordo que, num texto dirigido a crianças, se demonstre que as pessoas devam ser curadas de seus maus hábitos através do chicote ou através do medo dele. Outra afirmação do texto que não me agrada é a que define as meninas de hoje em dia: “Só querem casar; mas não sabem temperar”. A própria participação das mulheres neste elenco (autora, diretora, cenógrafa, figurinista, compositora e atrizes) prova exatamente o contrário.

A ideia básica da encenação (aprofundando mais a linha iniciada como Caleidoscópio) é anti-ilusionismo, com a armação dos cenários na gente do público, com a mostra do que ocorre por detrás dos biombos. E, apesar de o público ter uma visão de todo o processo da montagem, ainda assim o palco permanece como um local meio mágico. E isso acontece porque a linguagem teatral é viva: as imagens obtidas; a ideia de duplo, com atores ampliando o significado das ações dos bonecos e vice versa; os cortes expressivos e carregados de sensibilidade cênica; as variações de ritmos; a utilização da musica de Beatriz Bedran; e a direção segura do elenco – tudo isso faz com que no palco “aconteça algo vivo”. E o melhor exemplo é a sequência da preparação do casamento: dinâmica, rica, variada, musical. Dois reparos se fazem necessários. E são ambos na manipulação dos bonecos: nas cenas em que o Marido Chicoteia, a cão não consegue se realizar tecnicamente.

O elenco, alegre, simpático, comunicativo, atua com firmeza. A direção explora bem, a musicalidade da família: o coro é afinado e toca-se violão, flauta, acordeom e até violino. O maior destaque está com uma atriz que não aparece – Wilma Martini, a voz da Moça. Seu texto é dito com comicidade, de forma expressiva, com um excelente jogo de inflexões. O cenário (de Lídia Martini), os figurinos (de Branca e Adylla Martini) e os bonecos (equipe) são de ótima qualidade, perfeito acabamento: é um artesanato levado a sério, sobressaindo-se a igreja com seu sininho.

Estória da Moça Preguiçosa, em cartaz no Teatro Quintal, de Niterói, é um espetáculo de muitas qualidades. E o grupo deveria levar avante sua ideia de testar, com essa montagem, uma plateia adolescente nos sábados à noite.

Recomendações:
Criançando, no Casa Grande; Maroquinhas Fru-Fru, no Opinião; Da Metade do Caminho ao País do Último Círculo, no MAM; A Viagem de Barquinho, no SENAC; Estória da Moça Preguiçosa, no Quintal, em Niterói.