Crítica publicada em  O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 05.09.1981

Barra

Sonhos e varinhas de condão 

Em 1949, Pernambuco de Oliveira e Pedro Veiga escreveram A Revolta dos Brinquedos, peça que, durante muitos anos, foi uma espécie de clássico do teatro infantil. Como consequência, a ideia de brinquedos que ganham vida à noite, quando todos dormem, vem sendo explorada no correr dos anos. Como vem sendo exageradamente explorada a ideia de que, no final da peça, nada daquilo aconteceu e foi tudo um sonho. Foi em cima dessas duas ideias já bastantes gastas que Regina Lopes escreveu o seu Esta Noite Você Pode Ser Qualquer Coisa, em cartaz no Teatro da Galeria. Ao se fazer um estudo da dramaturgia universal nota-se que são raras as ideias novas o que vale é a profundidade ou originalidade de se desenvolver um tema já tantas vezes utilizado. É isso que torna uma peça melhor do que a outra, mesmo que tratem do mesmo assunto. No caso de Esta Noite Você Pode Ser Qualquer Coisa percebe-se que a autora precisa trabalhar mais a sua “carpintaria” teatral, pois o texto não consegue se sustentar muito em termos de estrutura. Em relação às ideias lançadas, há alguns pontos que merecem discussão. A trajetória de “Aninha”, uma menina passiva, que vive uma experiência em que o mal vence sempre e de quem ela sempre foge, até que resolve enfrentá-lo e vencê-lo, mostra, de modo positivo, que o mal maior nem sempre está fora de nós, mas dentro (nossos fantasmas, nossos medos, nossos “mascarados”). Porem, quando ao final tudo vira um sonho, fica latente a possibilidade de se levar para casa o recado de que só vencemos nossos medos nos sonhos. Da mesma forma, a caminhada de “Aninha”, no sentido de seu crescimento, fica muito esvaziada a partir do momento em que todas as situações de conflito nas quais ela se vê envolvida não são resolvidas através do crescimento interior do personagem e sim através da varinha mágica. E, por fim, é extremamente discutível a posição inicial de “Aninha”, que demonstra seu desejo de deixar de ser menina para se transformar em boneco a fim de ter uma folga no esquema repressivo em que vivia. Ora, se uma pessoa não quer ser reprimida é porque tem, dentro de si, o desejo de dirigir sua vida com autonomia. E o pior exemplo para um personagem autônomo esta exatamente num boneco.

A criança, entretanto, na maioria das vezes, está mais interessada no que vê do que no que ouve. Por isso, a direção dos espetáculos pode, muitas vezes, tornar interessante um texto com problemas. Neste caso, entretanto, isso não ocorre. A direção, da própria autora, é muito repetitiva, com insistência em cenas em que os bonecos dançam. E sem que tais números musicais sejam suficientemente expressivos, com criativa coreografia etc. O espetáculo acaba nem contando uma historinha interessante, nem trazendo ao espectador um clima envolvente, nem mostrando cenas que, mesmo isoladamente, tenham valor específico. Desta forma, a encenação fica monótona. (a diretora poderia se exercitar um pouco mais na noção de “tempo”). O elenco, bastante jovem, tem altos e baixos, mas de um modo geral, os atores dão conta do recado. Uma sugestão final: mudem o figurino da personagem principal “Aninha”, como criança, está difícil de acreditar: a roupa parece ampliar ainda mais o tamanho da atriz; e como fada o visual de “Aninha” está mais próximo de uma cozinheira. Uma simples modificação pode melhorar bastante o visual do personagem que, além do mais, é o principal.