Para quem perdeu O Pequenino grão de Areia no Rio, a última chance em Niterói

Crítica publicada no Jornal do Brasil, Caderno B
Por Eliana Yunes – Rio de Janeiro – 07.03.1987

Barra

Recordar as cantigas e jogos populares que com o tempo viraram “coisa de criança” não é má ideia, neste clima de asfalto e arranha-céu, em que os quintais se transformaram em play-grounds de pouca imaginação. Foi o que ocorreu a Carlos Carvalho, jovem e premiado contista gaúcho precocemente desaparecido. A peça Escravos de Jó, adaptada de um conto seu, com outras motivações, está no palco do Tereza Rachel, numa montagem enxuta e segura de Ludoval Campos.

O roteiro do trabalho são as canções de roda, que ligadas pela imaginação infantil, perfazem a narrativa em que os filhos de Dona Sancha, transformados em Escravos de Jó, acabam libertos por um grupo de crianças. Através das brincadeiras que começam no quintal, recolhendo as roupas que a mãe lavadeira estendeu para secar, a turma improvisa os figurinos das personagens: Soldadinho de Chumbo, Astronauta, Sapo Cururu e Zé Pereira, que não podia faltar, no rastro do carnaval. E vão em busca da casa do gigante, para além das nuvens, depois do pé-de-feijão. As soluções da aventura devolvem-nos à realidade, mas o sabor de experimentar o lúdico não se perde. O elenco convence como personagens infantis que fazem artes, das boas, com a imaginação. Os arranjos têm o compromisso de acompanhar o tipo de musicalidade de que se revestem essas tradições musicais populares e guardam o clima de jogo e de brinquedo.

O Teatro Luz e Cena, produtor do espetáculo, vem desde 1978 fazendo teatro infantil no Rio Grande do Sul, certo de que ele não é apenas um patamar para o teatro adulto “profissional”. Esse cuidado transparece no espetáculo simples e bem cuidado como coisa de criança, em que a espontaneidade não é aleatória, mas um caso pensado “por dentro”, na lógica da magia. Esses folguedos que lidam com a fabulação são uma espécie de ensaio para o real e as cantigas de roda não têm outra natureza, com suas narrativas de peripécias e obstáculos, que se vencem com a espada mágica da palavra, rimada e musical.

Na plateia, o pedido do diretor, crianças na frente e adultos atrás, para que elas possam se divertir sem a tutela dos pais, que acaba induzindo a certos raciocínios e reações.