Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 04.09.1975
Shakespeare para crianças
Apesar de A Tempestade, de Shakespeare, não ser nenhuma maravilha, estando num nível bem abaixo de suas melhores comédias, até certo ponto justifica-se a sua adaptação para uma plateia infantil. E por quê? Porque há um clima de fantasia naquela ilha, com certas cenas atingindo um bom equilíbrio entre o sobrenatural e o cômico (a cena do banquete que desaparece, por exemplo); e, também, pela existência e pelo comportamento de personagens que carregam muitos atrativos para as crianças. A plateia infantil tem possibilidades de se deliciar com Calibã, um ser disforme e selvagem, filho de bruxa; ou com Ariel, gênio que assume as mais variadas formas, de ninfa marítima, até um espírito invisível; ou, ainda, com outros gênios como Íris, Ceres, Juno.
Embora, tenha teorizado certo (“o meu trabalho foi o de transpor, para o plano infantil o lado fantástico, a atmosfera fluida e extremamente fantasiosa.”), o adaptador Paulo Afonso de Lima não conseguiu obter resultados à altura de suas intenções. Era uma Vez… uma Ilha é uma comédia pouco engraçada (haverá pecado maior?) e que não é capaz de criar os sonhados climas de fantasia. A adaptação, ao transportar uma peça feita para adultos de 1611, para crianças de 1975, conseguiu, apenas, diminuir o valor da obra (por si, já bem pouco valiosa).
O desinteresse do texto é fielmente acompanhado pelo desinteresse da montagem. A direção (inicialmente, de Cláudio Gonzaga e, depois, por motivos de saúde, transferida para a responsabilidade do autor) também não consegue criar o clima de fantasia; também estabelece estímulos para a plateia; também não aproveita os personagens (as linhas desenvolvidas por Calibã e pela Tempestade – personagem inventado pelo adaptador – são dolorosamente desastrosas; as potencialidades dos personagens não são exploradas e apela-se, sempre, para um comportamento cênico que se caracteriza pelo mais fácil).
Os cenários e os figurinos de Cláudio Gonzaga também parecem ter sido concebidos para fazer parte do tom neutro que envolve o espetáculo. E o elenco é muito desigual; vai da experiência e talento de Isolda Cresta (que usa mais a experiência que o talento e, por isso, seu trabalho deixa muito a desejar) até o tom profundamente amador de Ronaldo Leal (Ferdinando) e de João Carlos Barroso (Ariel), passando pelo inacreditável (de tão vazio) Calibã, interpretado por Maria Teresa Barroso. O trabalho mais bem acabado fica com Ângela Vitória – filha de Isolda Cresta; apesar de um problema de dicção, ela atua com veracidade, segurança e bom jogo de expressões.
Era uma Vez… uma Ilha, de Paulo Afonso de Lima baseada em A Tempestade, de Shakespeare, ressente-se de vigor cênico: falta criatividade desde o texto até a direção.
Recomendações:
A Margarida Curiosa Visita a Floresta Negra, no Casa Grande; Estória da Moça Preguiçosa, no Quintal, em Niterói;