Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 02.06.1979

Barra

Não se prende o vento

O América Futebol Clube está de parabéns: inicialmente por presentear os cariocas com mais um teatro na Zona Norte (dentro de suas modernas instalações recentemente inauguradas na Rua Campos Sales); e, segundo, por demonstrar sua sensibilidade para com as crianças iniciando as atividades teatrais exatamente com uma peça infantil. As pessoas que batalham pelo teatro infantil e se veem cercadas de preconceitos por todos os lados certamente estarão aplaudindo junto.

A peça de estreia, Era Uma Vez uma Gata, de Sérgio Carvalhal, é um bom trabalho. Existe uma visível preocupação com o resultado visual: as marcas obedecem a um desenho orgânico; os figurinos (de Marco Aurélio) são bonitos e alegres; procura-se 9 com os poucos recursos existentes) utilizar a iluminação para a criação de climas; o cenário é muito sugestivo e cheio de atmosfera quando se utiliza dos telões em forma de cortina abrindo e fechando (o mesmo, entretanto, não pode ser dito do cenário do interior do teatro, feito com armações e que resulta pobre de imaginação) em comparação com os demais elementos visuais). O espetáculo carrega uma simpatia muito comunicativa.

Entretanto, não se pode afirmar que a encenação seja sempre interessante. O espetáculo se desenvolve com altos e baixos, sendo muito nítida a existência de momentos fortes e expressivos; e de momentos mortos e sem interesse. Para isso contribuem tanto a pouca experiência do diretor quanto as deficiências do texto, de sua própria autoria. A peça não tem muito a dizer e acaba, inclusive, se perdendo no pouco que pretende colocar. Inicia-se um concurso que, apesar de ter um resultado previsível, cria-se certo interesse; logo depois, entretanto, abandona-se totalmente o concurso e a história entra numa inesperada (e sem justificativa anterior) formação de casais. Depois volta-se ao concurso e a gata-heroína se disfarça mas, nesse disfarce, ela muda tão completamente de personalidade (de tímida para extrovertida) que não consegue convencer em termos de plausibilidade. (Em termos cênicos, entretanto, a direção e atriz Nádia Nardini conseguem obter bons resultados cômicos). O texto perde sua força, definitivamente, quando resolve ser moralista e passar mensagens positivas, principalmente através dos personagens Coragem e Sem Medo. Nesses momentos, o texto perde muito em interesse e em dinâmica.

Dizendo-se um espetáculo musical Era Uma Vez uma Gata pode ser considerado um bom musical: tudo é realizado com muito cuidado, com muita preocupação com o acabamento. E verdade que é musical absolutamente rotineiro, sem nada original, com uma coreografia bem realizada pelos atores, mas banal na sua criatividade, com movimentos iguais a tantos já vistos em tantos outros espetáculos, para crianças ou para adultos. O mesmo pode se dizer da música: funciona, mas dá sempre a impressão de que já foi ouvida antes.

O elenco, apesar de um visível prazer pelo que está fazendo, paga o preço da inexperiência e da pouca técnica. Destaca-se mais uma vez Nádia Nardini (seu trabalho em História de Copélia também era bem superior ao do restante do elenco) que mostra nítidas qualidades de atriz e dançarina, com uma atuação bem comunicativa e cheia de humor. Também a atriz que faz a gata portuguesa (Cristina Magrassi) se sai muito bem. Para ser totalmente justo é preciso falar também de Lúcia Beatriz Queiroz que, substituindo Glória Pires (pé quebrado), não deixou a peteca cair.

Era Uma Vez uma Gata, de Sérgio Carvalhal, abre com resultados positivos o teatro do América Futebol Clube; o espetáculo é leve, simpático, bem acabado e compensa um pouco as falhas do texto e a inexperiência dos jovens participantes do grupo.