Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 18.11.1978

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Ser ou não ser (um urso) 

O espetáculo mostrado na Aliança Francesa da Tijuca propõe uma pergunta e, propositadamente, deixa-a sem resposta: era um urso?  Na pergunta existe um caminho longo que pode ser percorrido pelo espectador: da simples brincadeira de adivinhação até problemas mais complexos como rejeição e formação da identidade. Falta, entretanto, um pouco mais de clareza na definição das ideias para as crianças e um dos fatores que talvez complique um pouco seja a concepção dos figurinos. Quando a peça começa, com a apresentação da floresta e de seus animais, há uma concepção visual bem solta e criativa: adereços compõem o animal; ou então a postura; ou a voz; ou uma mistura de tudo isso. O urso, entretanto, já é diferente, e surge com o figurino clássico: um macacão de veludo. Se essa ideia tem o sentido de mostrar que o personagem é diferente dos demais, ela acaba mostrando, também, através de uma tradição visual, que não há nada mais urso.

Neste trabalho, uma criação coletiva, a linguagem solta parece à qualidade maior. É muito interessante o início da peça, com a arrumação dos cenários, o aparecimento progressivo das cores, os sons gostosos. Entretanto essa própria linguagem se ressente de maior contato com a plateia infantil para definir mais rigidamente seus ritmos  e climas. Há momentos mortos que quebram o tom obtido pela boa atmosfera inicial. Dois grandes momentos mortos merecem ser citados: a derrubada da floresta (a peça para fim de que os atores possam trocar o cenário) e a hibernação do urso depois de despedido. Chega até a surpreender que num grupo formado por pessoas com bastante experiência isso possa ser observado. De qualquer forma, a impressão mais forte que fica é a de que esse é um espetáculo que crescerá muito com o tempo. É possível, também, que a criação coletiva tenha impedido a presença de um elemento, fora do palco, analisando as falhas. Mas isso pode ser facilmente sanado.

O espetáculo tem um início bem interessante, começa a cair na conversa do Urso com o Frio e cai mesmo com a passagem da floresta para a fábrica. Volta a subir quando a fábrica se transforma no circo – uma transformação simples, inteligente, rápida e visualmente expressiva.

Os atores estão bem, com um resultado correto. Precisam apenas descobrir as melhores maneiras de se relacionar com as crianças que invadem o palco progressivamente. Isso parece ter sido um problema inesperado para o elenco e essa surpresa e esse “o que fazer, agora?” parecem ter sido refletidos pelo espetáculo, em termos de ritmos e climas.

Para que Era um Urso? Possa solucionar seus problemas (facilmente solucionáveis), talvez fosse necessária a presença de um diretor. E, quanto ao texto, talvez mais alguém pudesse achar que era um urso (um dos ursos do circo ou do zoológico, por exemplo) para que o personagem não ficasse falando sozinho, contra o mundo inteiro.