Matéria Publicada no Jornal do Brasil – Caderno B, Capa (4col. x 70cm)
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 12.01.1997
Entre Fadas e Bruxas
Há histórias bem contadas
Em 1991, depois de um longo intervalo, os jornais reabriram as páginas de seus cadernos culturais para o teatro infantil, atendendo assim a uma antiga exigência da classe teatral e do público (os pais, bem entendido). De lá pra cá, muita coisa mudou. Dentre as mais significativas, certamente se encontra a saída de cena da maioria das peças caça-níqueis-, que, equivocadamente, povoavam os palcos dedicados às crianças – e à vigorosa investida de profissionais de qualidade em busca de uma nova linguagem para reconquistar a plateia perdida.
Nesses cinco anos, companhias estáveis, ou mesmo produções isoladas, seguiram seus caminhos numa linha marcante de atuação. A Companhia de Teatro Medieval de Márcia Frederico, Ricardo Venâncio, Marcos Edon e Heloísa Frederico investiu numa proposta teatral de rebuscada pesquisa da época, trazendo ao palco espetáculos de fino acabamento como Shakuntalá e Mestre por um Triz. Entre outros, no mesmo cenário, a Companhia Nosconosco de Célia Bispo e Roberto Dória, com dedicação integral, gastando em média 8 meses entre uma montagem e outra, apresentou para a jovem plateia, sua versão muito especial de clássicos como O Inspetor Geral, O Arlequim e mais recentemente O Barbeiro de Sevilha. Uma prova concreta de que mesmo na era do Nintendo uma história bem contada ainda tem seu lugar.
Num cenário de múltiplas tendências, novos autores imprimiram suas marcas. Teresa Frota com invejável fôlego, brincou com a diversidade de temas. Para a ecologia criou A Rainha Alérgica; na era Collor, criou A Lei e o Rei; e para a ditadura da propaganda do novíssimo brinquedo dirigida as crianças fez Os Impagáveis. Numa linha oposta, e nem por isso de diferente qualidade, Rogério Blat criou para a trilogia Andersen, O Contador de História, um texto de estrutura anticonvencional, que mesclava a história com o contador, em passagens precisas. Ainda recontando clássicos. Luca Rodrigues e a trilogia das Belas (A Bela Adormecida, Pele de Asno e A Bela e a Fera), fez romance no palco com extremo lirismo e sem lugar para apelações.
Os encenadores, também em caminhos diversos, fizeram do seu teatro autoral uma grife.Carlos Augusto Nazareth, com O Pássaro do Limo Verde, contou sua história resgatada da tradição oral europeia, recontada no folclore nordestino, sem ranços regionais ou culto a estética popularesca. Cininha de Paula e Lupe Gigliotti apostaram nos musicais bem humorados, e se mostraram imbatíveis no gênero. Nesses cinco anos teve lugar para todo mundo, exceto para o teatro oportunista.
O ano de 1996 foi de surpresas. Mesmo que alguns dos ótimos produtores encenadores e mesmo as companhias estáveis tenham se retirado de cartaz (esperamos que só para esta temporada), outros nomes bastante credenciados voltaram à cena. Sura Berditchevisky fez de seu Diário de um Adolescente Hipocondríaco, um evento teatral sem precedentes. Thereza Falcão, com A História de Topetudo, um espetáculo de câmara de desconcertante humor, fechou a temporada com chave de ouro. E, para não fugir à regra, Maria Clara Machado presenteou a todos com A Bela Adormecida, mais um dos seus brilhantes textos. No balanço, o saldo é positivo.
Vale a pena conferir
Os Impagáveis: Uma homenagem às chanchadas da Atlântida, ao teatro musical brasileiro, com enredo ambientado nos anos 20, onde os gangster Carcaça e Luxúria sequestram as Barbies das lojas e das menininhas distraídas, para obter lucro fácil com suas vendas no mercado negro.
A Bela Adormecida: Com o toque de gênio de Maria Clara Machado, a história, sem perder a magia do conto de fadas, ganha a proximidade da plateia usando referências do cotidiano de crianças a adultos. A sétima fada não é convidada para o batizado de Bela, apenas porque no reino só existem seis garfos e facas, como às vezes acontece às melhores famílias.
A História de Topetudo: Uma espécie de rebordosa dos contos de fadas, onde as situações absurdas que foram anexadas ao original pela tradição oral são denunciadas sem muita cerimônia. Topetudo é um príncipe muito feio, que tem o dom de tornar inteligente a quem dedicar o seu amor. Clarabela é linda e burra e também tem o dom de tornar lindo o alvo da sua paixão. O final feliz, entre outras situações, é denunciado pelos contadores da história. Uma crítica interativa que todo espectador gostaria de fazer.
Leia também como parte desta matéria: O bom teatro infantil resiste ao preconceito e mostra que a criança tem todo direito a espetáculo de qualidade, de Roberta Oliveira