Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Macksen Luiz – Rio de Janeiro –  26.09.1984

Barra

Esboço de uma proposta inovadora

Tal como um rascunho, Ensaio n° 1 é esboço de espetáculo a partir do qual se pode  perceber a qualificações da diretora Bia Lessa para projetos mais ambiciosos. A proposta deste espetáculo-investigação da linguagem teatral é utilizar recursos extremamente contemporâneos do código cênico para contar uma história identificada com a nacionalidade. Para tanto, a diretora utilizou o romance A Tragédia Brasileira, de Sérgio Sant’Anna que, através do atropelamento de uma adolescente, desencadeia uma sequência de fatos – a transformação da morta em objeto de culto místico, a obsessão do motorista que a atropela, a convivência com a pobreza e com a teia de preconceitos – que retratam, entre o universo de Nelson Rodrigues e o  painel social ao estilo da literatura política, uma facção do Brasil. É difícil avaliar a qualidade da adaptação teatral do livro sem o ter lido, mas fica a certeza de que o material literário disponível é, no mínimo, instigante e provocador. O tratamento não cronológico dos fatos se processa em ritmo narrativo rápido, de efeito cinematográfico, que a montagem teatral absorve e projeta rigorosamente. O que prejudica, no entanto, é que tanto o romance quanto o espetáculo adotam uma linguagem sofisticada que a precariedade de meios da produção não permite que encontre o mesmo nível de realização no palco.

No primeiro ato esta precariedade é mais evidente, já que o público se defronta com a “novidade” da linguagem e a insegurança e a pouca técnica de um elenco inexperiente. Os achados cênicos – a repetição da cena do atropelamento e a boa utilização da luz, – se diluem. Já na segunda parte, vencida a “estranheza” inicial, o espectador mergulha mais facilmente na mágica (como referência a cena dos bonecos que se transformam em atores) teatral e é tocado pela representação de um mundo próximo dele.

Ensaio n°1 que ocupa o Teatro Delfin, no horário das 20h, confirma as qualidades de Bia Lessa como diretora e oferece num quadro teatral pouco investigativo, uma forma de pesquisa e inquietação que terá consequências, caso esse trabalho possa ter continuidade.