O expressar-se é nato ao homem e muitos são os estudos didáticos que veem no jogo infantil espontâneo uma fonte inesgotável de prazer e aprendizado. Se não castrada pela família ou pela escola, uma criança “brincaria” com todos os jogos simbólicos, jogo de exercício, jogo de construção, jogo de regras (categoria do jogo segundo Piaget) – sem barreiras e, por certo, teríamos um cidadão criativo e conseguintemente mais feliz. Jogar é bom.
Em todas as civilizações – tanto na oriental como na ocidental – o expressar-se, o jogar, o brincar, ser o outro, ocupou um lugar significativo no desenvolvimento do homem. Por exemplo, quando o homem primitivo descobre que o desenhar na pedra, o botar e tirar uma máscara ou a pele de um animal o deixa mais forte e poderoso, ele está descobrindo o valor educativo, didático do jogo. Ele joga, representa e o medo de “caçar bisonte” desaparece.
Nunca, na história da civilização ocidental, um povo entendeu tão profundamente o valor desta joia raríssima que nasce com o homem – do que o povo Grego. Platão na sua “República” já sinalizava os benefícios e a importância de uma educação através da arte. Portanto, o valor didático de uma educação através da arte já está alicerçada desde a antiguidade. Os nossos colonizadores, os portugueses, por exemplo, não perderam tempo, se apressaram em catequizar os índios usando de um recurso infalível – O Teatro.
Das três artes – música, teatro e artes plásticas – é o Teatro o mais rejeitado na instituição escolar. “No nosso período colonial, (diz a arte-educadora Ana Mae Barbosa, no seu livro Teoria e Prática da Educação Artística) …no mercado do casamento, alcançava mais pontos a garota que fazia uma bonita copia de um quadro ou habilidosos bordados. Nas classes menos favorecidas, durante o mesmo período, a arte era ensinada como uma habilidade que poderia ser útil em algumas profissões”.
Já o teatro na escola, neste mesmo período aparece bem distorcido ou serve para acorrentar e limitar a criança a ler e muitas vezes decorar um texto que ela nem entendia o seu significado ou como puro meio de exibicionismo pessoal-social.
É com a inclusão da Educação Artística – música, teatro e artes plásticas – nos currículos plenos de 1º e 2º Graus em 1971 com a lei 5692 que cria-se, penso eu, um impasse:
a) O primeiro sentimento foi de felicidade, afinal a lei chegava para legitimar uma disciplina e um professor que trabalhava quase que na clandestinidade;
b) O segundo sentimento (para os que pensavam na educação) foi de pânico, as artes iam entrar para o currículo escolar e haveria um programa a ser cumprido – e é bom que não nos esqueçamos que estávamos vivendo numa ditadura militar: Pouco a pouco iria desaparecer aquele “Louco” – (como carinhosamente chamo os professores pioneiros que se aventuram trabalhar com as artes em geral, principalmente com o teatro), que vislumbrava na arte teatral, a essência da linguagem do teatro e não só um meio de expressão natural que desenvolve habilidades. Normalmente estes “loucos” eram professores de língua nacional, de literatura, de história, de matemática, etc. Ou ainda aquela bibliotecária prestes a se aposentar que como “castigo” ia trabalhar em teatro com os alunos. Mal sabiam que estavam premiando essa mulher semi-aposentada com alunos sedentos por expressar-se, por representar, por fazer teatro.
Quando começam a chegar os primeiros livros sobre jogo dramático na escola vindos da Inglaterra, dos Estados Unidos e da França, os experimentos brasileiros ainda estão engatinhando. Ainda estamos cada um nos seus estados mas a nossa preocupação, quando nos reunimos pela primeira vez, isto ficou claro, tentávamos saber, ou melhor, separar o teatro da educação.
Hoje sabemos que não precisamos lutar para separar um do outro. As crianças, adolescentes ou adultos sabem quando estão jogando, fazendo teatro. Essa falsa proteção dos adultos à arte infantil já foi diversas vezes denunciada e passa, mesmo que sem intenção, por um poder bobo em cima de algo que nasce com o homem, que é a expressão.
Portanto, como dez Olga Reverbel: “Batizemos pois a disciplina com o nome de Teatro”.
Se você tem formação acadêmica específica, ou não, num primeiro momento é irrelevante, o importante é que você queira trabalhar com o teatro.
Mas como começar a trabalhar com o teatro na educação?
Duas são as correntes possíveis em arte-educação. São elas:
1. Corrente Contextualista – essa corrente sinaliza os aspectos sociais e psicológico da criança (escola, família, comunidade), leva em conta as etapas evolutivas da mesma. O que interessa, é pouco levado em conta. Nesta corrente está inserido os jogos dramáticos. Quase toda a bibliografia especializada brasileira pertence a esta corrente. O que importa é o jogar: O único perigo é transformar cada encontro com os alunos em uma aula-show, esquecendo-se de que o trabalho deveria ser sistemático e cumulativo, obedecendo a graus de dificuldade.
2. Corrente Essencialista – trabalha com a essência da arte, o teatro existe independente de qualquer aspecto educativo, embora eduque. A grande seguidora desta corrente é uma americana, Viola Spolin (Improvisação para o Teatro – Ed. Perspectiva), que com seu métodos divide em segmentos (Onde? Quem? O que?), as técnicas teatrais complexas.
Enquanto os contextualistas negam a avaliação, Viola, desde o início do trabalho, divide o grupo em dois: os que fazem (atores), e os que observam (plateia). Com esta divisão ela estabelece a relação palco-plateia, ou seja, a essência da arte teatral.
O próprio ato de jogar, segundo Spolin, já desenvolve as habilidades que a criança necessita. O que importa para os essencialistas é que as regras do jogo sejam obedecidas “ele pode balançar, ficar de ponta-cabeça ou até voar”, contanto que esteja dentro do jogo.
Professor, o mais importante é que você concorde com o diretor teatral Aderbal Freire Filho, e acredite que “a vontade é o princípio da ação”. Sairá ganhando você e seu aluno.
1. PUPO, Maria Lúcia S.B. Diferentes Abordagens em Teatro Educação. (artigo)1986.
2. SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. Editora Perspectiva 1979.
Suzana Saldanha
Atriz e Professora de Teatro na Educação na UFR, Rio de Janeiro
Obs.
Texto retirado da Revista FENATIB, referente ao 3º Festival Nacional de Teatro Infantil de Blumenau (1999)