Crítica publicada no Diário da Noite
Por Brício de Abreu – Rio de Janeiro – 23.09.1950
Duas Peças Infantis – II
Dos originais apresentados pela Sra. Lucia Benedetti, preferimos A Menina das Nuvens, isso porque se trata de um tema original novo, criado pela autora, entretanto Branca de Neve foi baseada em história já conhecida, do Sr. Walt Disney, (salvo esse porque de desenho animado nunca se sabe se sabe exatamente o autor). Mas ambas demonstram uma extraordinária capacidade de teatralização da autora.
A crítica foi chamada a analisar justamente essa parte: teatralização, montagem e direção, porque indubitavelmente, as peças não lhes eram dirigidas no sentido receptividade.
Desgastados pela vida, alquebrado ao peso de tanto embate e desilusões, calejados pelos mil e um problemas humanos nessa luta diária com egoísmos que entrechocam, confesso lealmente que tive medo de que esses originais encarregados a almas puras, ainda no período cor de rosa da vida (enquanto o nosso já é bem cansante), época em que tudo nos assombra e diverte não encontrassem em mim a verdadeira compreensão, o seu verdadeiro sentido de receptividade.
Podia-se analisar o lado técnico, talvez falhasse na compreensão da essência que a autora quis dar a sua sensibilidade. Resolva, levar as estreias ao meu lado criança, essas pobres crianças do meu bairro e estudar-lhe as reações a fim de poder dizer aos meus leitores se realmente os originais da Sra. Lucia Benedetti conseguiram a sua humanidade.
E, senhores fiquei espantado diante da capacidade de reação, num teatro, de uma criança, quando compreende ela o que lhe dão a presenciar.
Convenci-me de que nós os grandes, somos uns covardes nesse sentido e que temos medo das nossas próprias reações diante de um palco. Se tivéssemos a vigésima parte da reação espontânea das crianças (guardadas as proporções intelectuais) garanto que não haveria em teatro, originais enfadonhos, e cacetes que fizessem carreira por mínima que fosse. As crianças que estavam ao meu lado emocionavam-se, riam, batiam palmas, fechavam as mãozinhas estendendo os braços para o vilão, levantavam-se das cadeiras com os olhinhos arregalados, nos momentos em que para eles eram de grande emoção, e que faziam o meu amigo Mario Nunes, a meu lado sorrir. Um dos garotos chegou a me pedir para ajudar o Corisco e o outro no Copacabana, a socorrer a Princesa.
Nos intervalos comentavam as peças com ardor, discutindo cenas, etc. A Sra. Lucia Benedetti ganhou lindamente a partida. Até hoje essas duas crianças pobres do meu bairro, me falam e comentam as suas peças. Dedicadamente o fim foi atingido… Duas maravilhosas peças para a garotada.
A Menina das Nuvens no Fênix foi montada com luxo e capricho, excelente guarda roupa, bons efeitos de luz e serviu também para nos revelar Aríston de Almeida, no Corisco. Que belo talento e que excelente qualidade de ator tem esse rapaz. É preciso que se dedique, que estude porque, não titubeamos em afirmar ali temos um belo ator do futuro.
Foi alegre movimentado, numa bela compreensão do seu papel, entusiasmando as crianças. Fernando César, também foi um Vento Variável ótimo possuindo excelentes qualidades de ator. Dois elementos com os quais o nosso teatro deve contar.
Sara Darfs foi a Menina das Nuvens, meiga, doce, agradável. Enfim todos Adaury Dantas, Lourdes de Araújo, Messias de Andrade, Maria Conceição e Manoel Castro merecem elogios pelo esforço que redundou numa excelente representação. Não falemos na Sra. Samaritana Santos, já tão conhecida como atriz, consumada que é, e que nos deu a Irmãe a Lua magnificamente.
Pernambuco de Oliveira teve oportunidade de nos dar mais uma demonstração do seu belo temperamento de artista, com figurinos encantadores e ótimos cenários. Um belo espetáculo.
Branca de Neve, no Copacabana foi também um sucesso para a iniciativa desse jovem Dary Reis, que tanto agrado tem tido como ator, ao lado de Morineau e outras Cia… Belos cenários e magníficos figurinos de Nilson Penna, executados com luxo e bom gosto. E como soube escolher os interpretes.Quem melhor do que Mara Rubin, com aquela beleza loura e aquele porte, para uma rainha? E Nicette Bruno, cândida, meiga princesa com uma doçura na voz capaz de emocionar as crianças e criar complexos nos grandes? E Jardel Filho, alto, forte, bonitão, num príncipe que enamorou a princesa, e que fazia suspirar uma gorda babá na fila atrás da que eu me achava. Uma ótima interpretação, a qual veio se juntar Dary reis, cheio de talento, no espelho da rainha e José Valos, no Botabaixo, metendo raiva e medo às crianças, um anão de verdade comandava os seis anões arranjados pela direção: Arnaldo Rios que foi excelente com uma “alisance” de ator consumado.
Enfim, também um magnífico espetáculo para as crianças, a Sra. Ester Leão foi a diretora das duas peças. Para quem conhece teatro e sabe o trabalho e a competência que requer para se por de pé tais realizações, não pude deixar de admirá-la pela “rescitte” (já sei que há por aí uns norte americanos que vão protestar contra as minhas palavras francesas. Paciência. Ainda não me habituei ao “Chiclets”) completa e pelo êxito obtido, tanto no Fênix como no Copacabana. Sobretudo quando se sabe que a ilustre diretora vem de montar ao mesmo tempo, e excedentemente a peça em cena no Rival com Aimée. Montar três peças difíceis no mesmo mês e obter com todas um êxito é o melhor elogio que se pode fazer a Sra. Estes Leão.
Enfim a Sra. Lucia Benetti mostrou, uma vez mais ser a mestra do gênero e A Menina das Nuvens, como Branca de Neve, merecem serem vistas e aplaudidas por todos os meninos do Rio.