Crítica publicada no Diário Carioca
Por Roberto Brandão – Rio de Janeiro – 21.01.1949
Duas Peças Infantis
As duas peças infantis ora em exibição, O Anel Mágico do Sr. Antonio Rebelo de Almeida, no Fênix, pela companhia do Sr. Sandro Polônio; e O Picapau Amarelo, do Sr. Fernando Jacques (adaptação de uma história de Monteiro Lobato, no Ginástico, pelo Teatro da Carochinha, vem em primeiro lugar, destacar, por contraste, as excepcionais qualidades de O Casaco Encantado, que abriu a série das realizações de vulto de teatro infantil e abriu o caminho das iniciativas do gênero, as quais, dirigindo-se ao melhor dos públicos, poderá fazer o melhor dos bens ao nosso teatro, assim como o pior dos males. Tudo dependendo de não malbaratar o gênero e o publico, com os quais se poderá criar o núcleo por excelência do teatro adulto e seu publico, o publico permanente de teatro, o único que cria tradição de teatro, que nunca tivemos e o de que mais carecemos ainda hoje.
A verdade, entretanto, é que até agora, os seguidores daquele excelente exemplo inicial de maneira nenhuma corresponderam a ele, servindo sobretudo, para acentuar pelo contraste, a excelência e superioridade da peça da Sra. Lucia Benedetti. Da peça e de sua realização cênica.
As qualidades eminentemente teatrais e eminentemente infantis da estrutura dramática e de composição literária do diálogo, encontraram em sua pronta confirmação na resposta, na correspondência encontrada no espectador criança, no interesse, na participação com que acompanharam cena por cena o desenvolvimento da fabulação. Porque, na verdade, aquela era uma história infantil, contada no veículo de uma língua de comunicação com a infância. Faltar-lhe-á, talvez, um certo toque de poesia, do arbitrário poético, do mistério poético, lírico, tão caro a infância, substituído todo pelo episódio, o arbitrário, o mistério episódico, – que é entretanto, outra constante psicológica infantil das mais consideráveis.
Por outro lado, a realização cênica do original da Sra. Lucia Benedetti foi alguma coisa que, não apenas captou e destacou aquelas qualidades do texto, como ainda lhe acrescentou novas outras. Tanto na parte da direção encenação, quando na de interpretação.
Com efeito, a direção e encenação que o Sr. Graça Melo lhe deu traziam o marca de um diretor autentico, no seu mais irrecusável e capital sentido criador. O tratamento que emprestou as personagens e situações, assim como a atmosfera cênica valores figurativos que implicam em legítimo criação. E, assim, mesmo as condições de aridez poéticas, quiçá de secura realista que caracterizavam o texto – receberam um úmido, tépido bafejo lírico desse tratamento, em que o diretor, sem ter que recorrer a mágicas ou quaisquer truques de prestidigitação, mas apenas a poder de boa encenação, boa iluminação e boas marcações interpretativas – criou todo um mundo e um clima de sobrenatural e de infância verdadeiramente de encantar inclusive as sobrevivências infantis que habitam a triste criatura adulta.
E a verdade é que contou, para a realização de suas concepções,com interpretes dos melhores, como os que lhe forneceu a companhia da Sra. Morineau, inclusive esta, inclusive também ele próprio. Além da cenografia muito boa do Sr. Nilson Penna. De tudo resultou aquela realização admirável de O Casaco Encantado, cujo valor excepcional ainda mais se destaca, por confronto, diante destas duas apresentações posteriores.
A Picapau Amarelo – a mais apreciável das duas – não faltam bons elementos de direção e de representação e até mesmo certo atributos estimáveis de autoria. O de que carece, sobretudo é de maior experiência da parte de todos estes elementos para o gênero, notadamente da parte do autor.
Este, que possui até certo ponto, o predicado muito amável de uma relativa simplicidade expositiva e de um razoável manejo do diálogo, não dispões entretanto de nenhuma experiência teatral, nem própria, nem alheia. Assim, a sua narrativa se ressente deste vício capital em qualquer teatro e mais no teatro infantil que em qualquer outro: ser mais contada que acontecida em cena. Quase todo o primeiro ato é assim, parte do segundo também. Uns cortes, porém (porque, quase sempre, se trata, nestes casos, de matéria irrelevante) e uma ou outra transposição ou mesmo recomposição – sanariam tudo isso. Se é que ainda não sanaram, pois, na estreia mesmo, se observava da parte dos responsáveis pelo espetáculo muito boa compreensão e disposição para tal.
Aliás, a direção, de que se encarregou o excelente ator Sr. Sadi Cabral – mostrou-se bastante, demonstrando que o responsável por sobre capitalizar seus dotes, conhecimentos e experiência de interprete inteligente e competente para aplicá-los convenientemente no novo em que se lança sem grandes rasgos mas de maneiras sem dúvida auspiciosa. Muitos efeitos poderia ter tirado do caráter sobrenatural da maioria das personagens, situações e circunstanciais. Não o fez creio que um tanto por falta de recursos materiais e um tanto por carência de predicados criadores.
Teve, entretanto, colaboração muito apreciável com relação a cenário e figurinos, devido ao Sr. Pernambuco de Oliveira.
Quanto à interpretação, há que se destacar as senhoras Graziela Ramalho (Anastácia), Cora Costa (Dona Benta) e Lícia Magna (Emília) que deram aos papéis da preta cozinheira da vovozinha e da famosa boneca falante de Monteiro Lobato um desenho e um relevo dos mais estimáveis. Os Srs. Pedro Veiga (Capitão Gancho), Miguel Rosemberg (Visconde) e Aquilino Barreiros (D. Quixote) – bastante aceitáveis. Razoáveis apenas a Sra. Katucha Delgado (Branca de Neve) e o Sr.Gerdal santos (Príncipe Codadá). Irrazoáveis a menina Shirley Brasil (Narizinho) e o menino Newton da Mata (Pedrinho).
O Anel Mágico, possui excelentes cenários de Santa Rosa, mas não possui peça para eles. É um original adulto substancialmente sem nenhuma infância. Tudo quanto há de infantil ou pretende ser infantil é estranho a peça propriamente, superposto e acrescentado a peça, sob a forma de correrias a truques de contrarregra. A peça propriamente nada tem a ver com aquilo, é cheia de simbolismos adultos. “intenções” e filosofanças marca MalbaTahan, como aquela coisa da pedra que era leve demais para uns, pesada demais para outros e nem leve nem pesada para terceiros outros.
De direção e interpretação – a parte o jovem Edgard Vasconcelos que se revela um interprete de qualidades e recursos os mais promissores – não se pode praticamente falar pois na estreia ninguém sabia o papel.