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O 9º FENATIB naturalmente reflete o longo caminho percorrido desde a sua primeira edição, e nele se revelam de certo modo os avanços do teatro Infantil no Brasil, para o qual sem dúvida o próprio Festival tem contribuído. Verifica-se que os tradicionais vícios do teatro infantil, de linguagem falsa, “infantilóide” ou até mesmo televisiva, vão desaparecendo. Estão sendo superados os estereótipos, normalmente presentes nas produções da área, a criança passa a ser respeitada dentro de seu universo imaginário, sem que se banalize ou mininize sua capacidade de entendimento.

O conjunto dos espetáculos apresentados ofereceu-nos uma variedade de linguagens distintas, todas elas ricas em sua natureza, do teatro de bonecos e sombras, passando pelo uso de objetos, ao teatro de atores, no palco ou na rua, e à figura sempre presente dos palhaços. Variedade de tons também, desde a grande cena, com intensa movimentação coreográfica, que se expande e invade o espaço da plateia, trazendo-nos atores múltiplos, dançarinos, cantores, em espetáculos de grande porte, até a cena intimista, silenciosa, que pede e exige concentração do público para sua inteira absorção.

Bem menos “infantil”, o diálogo com as crianças acontece, até mesmo porque não só elas cresceram nestes nove anos, como as novas que vêm chegando fazem parte de um novo tempo, e nós também já compreendemos que todos os temas estão ao seu alcance, desde que se saiba como falar com elas.

Por outro lado, tem sido recorrente em todos os Festivais e não apenas nos de teatro infantil, identificar a dramaturgia como um dos pontos mais polêmicos, e mesmo dos mais frágeis no conjunto das peças apresentadas. No 9º Fenatib não foi diferente. Desde o momento da seleção, até a apresentação dos espetáculos, verifica-se em muitos casos uma estrutura dramatúrgica bastante frágil.

Embora a arte de contar histórias nos tempos atuais venha assumindo lugar preponderante, recuperando seu lugar no convívio humano, e passando a integrar cada vez mais o espaço cênico, a questão do desenho dramatúrgico, e, finalmente, do que se diz ou do que se conta através de um espetáculo é ainda um dos seus maiores problemas. Ter o que dizer, saber o que se quer dizer, e como dizê-lo são uma única coisa, e a conjunção destes aspectos é que nos dá afinal um grande espetáculo.

Desde o grande movimento vivido pela arte teatral a partir da segunda metade do século XX, no Brasil um pouco mais tardiamente, chegando às últimas décadas do século, com a grande virada cênica onde o corpo ganha importância fundamental, o ator ocupando o espaço central fundante da arte teatral, foi esquecido por um largo período o uso de uma dramaturgia escrita que antecedia à cena, e de algum modo determinava a construção desta. Isso gerou inclusive um quase abandono da figura do autor teatral, que se viu esquecido, e foi perdendo seu lugar no teatro. Este movimento por sua vez, curiosamente, gerou nos últimos tempos um recrudescimento da edição de textos, pois os dramaturgos continuavam a escrever e sentiam necessidade de pelo menos serem lidos, já que a cena não lhes dava mais lugar.

Esta mudança vem conjugada à absorção das novas tecnologias, e todos estes novos elementos pedem uma nova postura dramatúrgica, mas o reconhecimento de cada um dos elementos da cena como componente de uma escrita dramatúrgica, cênica, ainda não foi de todo apreendido. Observa-se em muitos momentos a figura do contador de histórias fora da dramaturgia cênica, como um elemento à parte: fica-se no estágio da contação, enquanto a teatralidade e a dramaturgia são muito frágeis, incompletas. Do mesmo modo, em outros o aspecto espetacular e mesmo o teatral se reforçam, mas a dramaturgia carece de elementos, não está bem amarrada, deixa-se de “contar” o que quer que seja. Em outros ainda, a cena é pura descrição, sem elementos dramáticos, e seus componentes são meros ilustradores de uma ideia. Isoladamente, muitos elementos podem funcionar bem, mas não se consegue com eles fazer uma mais forte amarração de ideia, e daí o sentimento de vazio, de falta de conteúdo. Outras vezes, são pequenos momentos, apenas esquetes que nos são oferecidos, e ainda não se consegue desenhar um todo dramatúrgico. O público que vê/lê o espetáculo se depara apenas com cenas/elementos isolados, sem possibilidade de fazer deles uma unidade significante.

Pensar a luz, a cenografia, o figurino, o gesto, a fala, o olhar, o espaço como um todo, como componentes dramatúrgicos, que serão lidos pelo público é a primeira tarefa dos criadores teatrais. E na narrativa construída identificar também de que modo o texto das falas e os demais elementos constroem um novo texto.

A realização do espetáculo a partir do próprio processo de criação cênica, numa formulação muitas vezes coletiva, fruto das experimentações de diretor e atores, amenizou, reduziu, quando não apagou definitivamente a figura do autor. E o que se verificou muitas vezes nas cenas experimentais é que em grande parte delas ainda não se consegue de fato dizer alguma coisa. O grupo vive uma bela, e até mesmo importante experiência mas esta não chega a alcançar o público. Talvez até mesmo para cobrir esta falha ou este vazio, o teatro tem absorvido e incorporado a arte da contação de histórias, porque, de fato, todos precisamos e gostamos de ouvir uma boa história.

Não se entenda isto como um desejo de voltar atrás, mas trata-se sim de compreender o fato, este momento de passagem, para poder se recuperar hoje o querer dizer algo, evidentemente fazendo uso e incorporando a todos estes novos elementos que conquistaram seu merecido lugar, que integram e compõem a cena como um todo. O que se precisa atualmente é dar o lugar certo a cada um destes elementos, integrando também a eles a figura do dramaturgo, cuja realização pode anteceder a criação cênica como pode estar conjugada a ela, simultânea e/ou integrada ao processo de criação. Compreender o lugar do dramaturgo, e em alguns casos do dramaturgista, é compreender que na cena tudo fala, mas que é preciso amarrar este todo, fazer de fato um todo e não apenas a união de um feixe de elementos desconexos.

Mais do que ou junto com a figura do diretor que tem este papel de “amarrador”, a figura do dramaturgo é aquele que vai pensar profundamente no que se está dizendo com estes elementos. E afinal o que se quer dizer, porque a cena em princípio só se justifica pelo que ela diz, compreendendo-se este dizer como a totalidade construída com luz, som, movimentação de atores, gestos, falas, cenário, figurinos e tudo o mais que esteja sendo visto ou ouvido em cena.

Tudo isto parece muito óbvio, não sendo mais do que o que se espera de toda cena teatral, mas de fato é o que em geral vem sendo menos atendido na construção cênica. E o abandono do dramaturgo gerou sim por muito tempo uma cena insuficiente, precária do ponto de vista de seu conteúdo. Felizmente na atualidade ele volta a ocupar um lugar indispensável. A cena enriquece-se com sua presença. E sobretudo, o momento atual é o de identificar onde se coloca o dramaturgo em relação ao contador de histórias.

Pode-se contar uma história de muitos modos, mas contá-la teatralmente, através de um espetáculo teatral, é uma outra arte diferente da arte do contador. São dois modos distintos de contar algo. O teatro, que nos últimos tempos não “contava” nada ou muito pouco, precisa agora identificar a diferença entre a figura do contador e a do ator. Muito embora encontrem-se peças onde o contador está integrado à cena, outras mantêm-se no limite da simples contação de histórias – entenda-se aqui o simples não como menosprezo, mas como identificação de uma arte que é específica, com um linguagem própria.

Por isso mesmo, pode-se ver como positivas as inúmeras adaptações de textos clássicos para a cena infanto-juvenil, e, ao mesmo tempo, é preciso retomar a busca de dramaturgos cuja obra está essencialmente voltada para essa faixa etária – entre eles podemos citar Vladimir Capella como um dos mais importantes no Brasil – porque há muito a dizer para crianças e jovens a partir de temas e motivos que lhes são específicos. Um bom dramaturgo será capaz de produzir uma obra que dialogue diretamente com eles, e claro conjugando-se este trabalho com a própria realização cênica de responsabilidade de diretor e atores.

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Eliane Lisboa
Doutora em Teoria Literária pela Unicamp/SP. Diretora Teatral, Cantadora de Romances e Professora de Dramaturgia.

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Obs.
Texto retirado da Revista FENATIB, referente ao 8º e 9º Festival Nacional de Teatro Infantil de Blumenau (2004 e 2005)