Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 11.05.1975
Dona Baratinha Quer Casar
Na televisão, um espetáculo vem se desenvolvendo e, de repente, sofre um corte para que entre o comercial. Se é um filme ou uma telepeça, o envolvimento do público é interrompido, mas essa quebra é uma consequência natural da estrutura da tevê e as obras para a televisão já são elaboradas levando o comercial em consideração. Esse, entretanto, não é um problema do teatro, que pode sobreviver comercialmente sem precisar interromper seus espetáculos com anúncios. O que dizer, então, de um grupo (Carrossel) que conta o desenvolvimento de uma peça para fazer com que os pais preencham fichas, saiam de seus lugares, entreguem os papeis preenchidos aos atores no palco e participem, com suas crianças de um sorteio de brindes de plástico barato? A resposta é uma só, apelação comercial. Os produtores sabem muito bem que tipo de agitação um sorteio estimula nas crianças; sabem muito bem que não importa o valor do brinde e sim a farra, a expectativa, o anúncio do vencedor; e, principalmente, sabem que esse tipo de coisa fará com que as crianças comecem a selecionar os espetáculos a partir de novos elementos: “Mamãe, eu quero ir naquela peça que tem sorteio!” Para a criança não importa o valor artístico. E, para os produtores, importa o valor artístico. E, para os produtores, importa, principalmente, o dinheiro da bilheteria.
Mas, apesar do visível interesse comercial nada impediria a realização de um espetáculo de boa qualidade. Aliás, quanto melhor a qualidade, mais comercial seria o produto. Infelizmente, não é isso que se vê: a montagem é bastante animada na parte inicial devido, principalmente, às músicas utilizadas (que não tem nada a ver com o tema da peça, mas são sucessos imediatamente reconhecidos e cantados pelo público); mas, a sequência do espetáculo é melancólica, e se instala um grande desinteresse: as crianças, agitadíssimas, querem, apenas, fazer torcida, berrar, pegar nos atores, enquanto o elenco fala um texto que ninguém ouve. Essa agitação incontrolável, diga-se de passagem, ocorre após o dispersivo, sorteio. Porém, mesmo na parte em que o espetáculo é bem animado, as falhas são gritantes. O texto é repetitivo e a adaptação, de Roberto de Castro, não consegue enriquecer o roteiro da historinha clássica; a direção é um acúmulo de equívocos, pois os atores são mal dirigidos e as marcas não tem um sentido informativo ou expressivo; servem apenas para que os atores não fiquem parados. Os figurinos e os cenários são de uma pobreza indiscutível, além de cometerem alguns graves erros técnicos: os bichos são quase indefiníveis; as armações de madeira e a rotunda do cenário não apresentam a mínima harmonia com o conjunto estofado; a rua penetra pela casa e, nas paredes, estão dependurados alguns objetos não identificáveis.
Nisso tudo, salva-se o trabalho de Esther Ferreira, como D. Baratinha: a atriz é comunicativa, diz o texto e se movimenta com segurança e expressividade, tem boa expressão facial, musicalidade e timing. O resto do elenco não consegue sobreviver ao abandono em que foi deixado pelo diretor Roberto de Castro.
Mas uma coisa é certa: o teatro estava lotado; e as crianças se divertiam amplamente. Porém, o que interessa, é que os pais tenham sempre em mente que nem toda diversão é boa. A não ser que apoiem iniciativas que tragam – a seus filhos – lições edificantes, enriquecedoras e saudáveis como essa, ensinada ano final da peça: quem é ruim e desobediente deve, como castigo ser transformado em garçom.
Recomendações:
Com pequenas restrições: A Viagem do Barquinho, Você Tem um Caleidoscópio?, Pluft, o Fantasminha, Criançando, A Varinha do Faz de Conta…