O elenco de Don Giovanni, em cartaz no Teatro do Jockey: muita falação e pouca reação das crianças

Crítica publicada em O Globo – Segundo Caderno
Por Marília Coelho Sampaio – Rio de Janeiro – 11.06.2004

 

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Don Giovanni: A fidelidade ao texto original dificulta apreensão, pelo público infantil, deste espetáculo bem cuidado

Nem tudo que é bom para adultos…

Don Giovani, em cartaz no Teatro do Jockey é uma livre adaptação da Cia. de Teatro Artesanal, para a ópera de Mozart, composta no fim do século XVIII, em parceria com o libretista Lorenzo da Ponte. Nesta versão infanto-juvenil, o famoso sedutor torna-se bem menos transgressor, dando-se por satisfeito, em colecionar singelos beijos – e não mulheres, como no original.

Don Giovanni é um conquistador inveterado, que não mede esforços para ter todas as mulheres que deseja, sejam elas casadas, solteiras ou viúvas. E esse comportamento, é claro, faz com que, além de beijos, ele colecione também muitos inimigos. Logo no começo da peça, Giovanni se mete em sua primeira confusão ao roubar um beijo de Dona Anna, a filha do comendador. Um duelo entre os dois provoca a morte do pai da moça, e Giovanni, auxiliado por seu fiel criado Leporello, consegue fugir. Logo em seguida, ele tenta conquistar a recém-casada Zerlina, que é impedida de cair na conversa do sedutor por Dona Elvira, uma das mulheres abandonadas por ele. No fim da trama, todos os enganados por Giovanni se unem para vingar-se dele, mas acabam desistindo. No fim das contas, quem executa a vingança é o comendador voltando à Terra e levando o sedutor para o Inferno.

O tamanho da ficha técnica da Cia. Artesanal de Teatro, que pode ser vista por qualquer um no programa da peça, demonstra a preocupação do grupo em realizar um trabalho de primeira – como todos os outros que apresentou nos últimos anos. E, na prática, está tudo muito caprichado. Desde os figurino e adereços de Fernanda Sabino e Henrique Gonçalves, passando pela maquiagem de Nilton Marques e a iluminação de Alexandre Nazareth, e chegando ao cenário de Karlla de Luca. Esse último, composto apenas por um tablado e por alguns objetos cênicos, atende perfeitamente ao estilo do espetáculo, o da comédia popular encenada nas ruas, em que todas as trocas de roupas e de personagens se dão na frente do público.

Não se pode dizer que tenha faltado competência na direção musical de Débora Garcia, na preparação corporal de Paulo Mazzoni, nem na preparação dos atores, feita por Lorena da Silva. O elenco do espetáculo ­- César Amorim (Don Otávio), Cid Borges (Masetto/ Comendador), Daniela Cavanellas (Zerlina), Edeiton Medeiros (Don Giovanni), Isabel Azevedo (Dona Anna), Kátia KamelIo (Dona Elvira) e Nilton Marques (LeporelIo) – está bem à vontade encarnando seus respectivos personagens.

Falta interação com a plateia

Se está tudo tão bem feito, por que o espetáculo não, interage com o público infantil? Por que as crianças não esboçam nenhuma reação, de desagrado ou de contentamento, durante a peça? Sono? Talvez. Afinal, os personagens falam, falam, falam coisas que muitas vezes elas não são capazes de compreender.

Pode ser que Gustavo Bica­lho tenha errado a mão na adaptação de Don Giovanni, tentando manter a maior proximidade possível do original. Nesse caso, teria faltado a Henrique Gonçalves, que dirige o espetáculo com ele, um certo distanciamento para perceber os problemas que essa fidelidade traria à montagem. Mas tal­vez não exista, na verdade, nenhum problema na adaptação ou na direção, e sim na escolha do texto. E aí resta uma pergunta para a dupla: será que todos os textos escritos para adultos se prestam a adaptações para o teatro infantil?