O bom texto, os cuidadosos figurinos e a bela trilha sonora fazem do musical Dom Quixote e Sancho Pança uma encenação de incrível qualidade.
Foto Guga Melgar

Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 14.05.1994

 

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A criatividade faz o espetáculo

Dom Quixote, obra de Cervantes, bastante conhecida, mas pouco lida, já ganhou versões de muitos autores. Entre elas a de Monteiro Lobato, editada nos anos 40, onde o autor promove o encontro dos habitantes do Sítio do Picapau Amarelo com o cavaleiro da triste figura. Enfim, um enredo muito mais do escritor brasileiro do que do espanhol. Dom Quixote e Sancho Pança, de Rogério Fabiano, é também uma história dentro de outras. Além de ambientar seu enredo no circo mambembe Giramundo, onde os atores representam as aventuras do herói, o diretor – que até então apostava em textos já encenados e de sucesso comprovado, como no caso de Flicts e Os Saltimbancos – traz ao palco desta vez seu próprio texto, premiado no Concurso Nacional de Dramaturgia do Ibac em 1993. Nesta trajetória, por certo, alguns moinhos tiveram que ser derrubados.

Sugerindo um teatrinho itinerante, inspirado na commedia dell’arte, os atores do Giramundo, com camarins expostos, se revezam em cena onde apresentam, num tom operístico, a história do cavaleiro andante e do próprio circo onde está sendo representada. Detalhes de adereços cenográficos acrescentados à ação e personagens discretamente montados aos olhos do espectador constituem recursos de eficiente teatralidade.

A direção de Rogério Fabiano privilegia o espetáculo como um todo, ficando apenas comprometida, em qualidade, uma ou outra performance. No elenco, surpreende, principalmente nas cenas de canto, o ator Nizo Netto, como um charmoso Dom Quixote. Seu fiel escudeiro fica por conta de Jorge Maya. Ao contrário de outros musicais de que participou e em que se destacou pelo canto, neste se sai melhor na interpretação. Exceto quando resolve incorporar alguns cacos desnecessários ao texto – algo na linha espiritual, que vai acabar se tornando sua marca registrada. Fábio Massimo, coringando diversos pequenos papéis, se sai bem em todos. Luciana Coutinho, no entanto, poderia suavizar a máscara de Dulcinéia, dando a necessária leveza à musa. Ataíde Arcoverde tira partido do fisique du role com seu habitual humor, e Elida L’Astorina cria interessantes personagens com toques caricaturais. A atriz Marinara Costa, no entanto, foi dado um peso maior do que pode suportar. Seus papéis masculinos são grifados num tom artificial e pouco convincente, ficando a contento sua participação em cenas musicais de conjunto.

De delicada plasticidade, os figurinos de Carlos Carpenter são um dos pontos altos do espetáculo. Também de grande efeito cênico, mas às vezes executada com alguma dificuldade, a trilha original de Nelson Melim ilustra a encenação.

Com cenários e iluminação muito criativos, também creditados ao diretor, Rogério Fabiano beneficiaria o espetáculo cortando algumas solicitações a MGM e pequenos cacos de atores. De resto, seu espetáculo é de incrível qualidade. Uma fase feliz, que espera-se perdure por muito tempo.

Dom Quixote e Sancho Pança está em cartaz no Teatro Casa Grande, aos sábados e domingos, às 17h. Ingressos a CR$ 5.000.

Cotação: 3 estrelas (Ótimo)