Matéria publicada no Jornal Correio da Manhã
Sem Identificação – Rio de Janeiro – 15.10.1948
Dois Minutos com Graça Mello diretor de O Casaco Encantado
Graça Mello, que como ator vem firmando seu nome cada vez mais da simpatia e admiração do público e da critica, estreará como diretor, amanhã, dirigindo uma peça da escritora brasileira Sra. Lúcia Benedetti escrita especialmente para crianças.
“Os Artistas Unidos”, tendo à frente Henriette Morineau, apresentarão em vesperais infantis essa peça, que apresentará pela primeira vez entre nós atores adultos representando para a petizada.
Henriette Morineau teve um gesto muito simpático convidando Graça Mello para dirigir e encenar O Casaco Encantado, essa peça curiosa e cheia de incidentes pitorescos que muito divertirá as crianças.
“Os Artistas Unidos”, além de apresentarem uma nova escritora teatral, Lucia Benedetti, um novo diretor Graça Mello, apresentarão um novo cenarista e figurinista Nilson Penna, vindo do Teatro do Estudante. O Casaco Encantado será apresentado no Teatro Ginástico, em “avant-première” para a critica e para os Artistas, amanhã, à meia-noite. Domingo, às 10 horas da manhã, primeira apresentação para o público.
A respeito desse Teatro para Crianças com atores adultos, falou-nos ontem Graça Mello:
“Sinto-me grato a Mme. Morineau pela confiança em depositada ao me entregar à direção dessa esplêndida peça de Lucia Benedetti com que se inaugurará uma nova fase das atividades da Companhia. Por outro lado o elenco de “Os Artistas Unidos” onde se encontram tantos elementos de elevado índice artístico, quer da nova como da antiga geração teatral, têm me apoiado decisivamente nessa nova tarefa para mim, a direção.”
“Creio que é tanto maior esta confiança que me sensibiliza, quanto maiores são as dificuldades que encontro, diante da necessidade de explorar um estilo novo, ou, pelo menos, pouco visto no Brasil. Sim, porque considero este “Teatro para Crianças” coisa muito séria, de um grande alcance social e artístico e dificilíssimo.”
“Se Mme. Morineau me tivesse convidado para dirigir qualquer uma das peças do seu repertório, habitual, penso que bem menos difícil seria o meu encargo. A experiência adquirida no meu contato intima de trabalho com grandes mestres da cena, tais como Ziembinski, Turkow, Adacto Filho, Dulcina e a própria Mme. Morineau, aliada ao meu espírito de observação e interesse pelos problemas do teatro, seriam uma base de apoio sólido para dirigir um espetáculo. Qualquer capacidade de criação que porventura em mim houvesse, pouco poderia acrescentar às leis que regulam os problemas cênicos e aos seus cânones.”
“Entretanto, neste gênero de teatro especialmente feito para crianças, onde buscar apoio? Onde procurar contato com a que se poderia chamar a rotina teatral? Se me vejo em face de um novo estilo de peça e de outra espécie de público, um público sem dúvida simpático, porém muito mais exigente, forçosamente será necessário usar um novo estilo de representação e uma nova “Mis-en-scène”.
“A proverbial sinceridade das crianças que não se deixam influenciar pelos cartazes da popularidade nem por glórias conquistadas longe de suas vistas, transforma-as em terríveis críticos e sobrecarrega a nossa responsabilidade, Além disso, como tem algum caráter experimental a realização, vamos apresentar estes espetáculos sem prejuízo da peça em cena fator que concorre para aumentar terrivelmente as nossas atribulações.”
“Tenho que fazer a estreia do Teatro para Crianças sem cortar uma só representação normal da Companhia. Ao enumerar tantos problemas não tenho em vista apresentar uma defesa prévia sobre possíveis falhas, nem tampouco sobre estimar o meu trabalho, mas sim, acentuar a absoluta confiança no sucesso da iniciativa, confiança que se reflete em todo o elenco de “Os Artistas Unidos.” Meu maior desejo é que o exemplo frutifique e que outras companhias o sigam.”
“Se não conseguirmos um grande sucesso sofrerei a maior decepção de minha carreira teatral. Uma peça magnífica dessa grande escritora Sra. Lucia Benedetti que ora se alinha no pelotão de frente dos autores nacionais; lindos cenários e figurinos de um jovem artista saindo da fornalha fértil do Teatro do Estudante, Nilson Penna: efeitos musicais assinados por um grande maestro Renzo Massarani: um elenco de esplêndidos artistas que têm sido um pedestal seguro para os sucessos dessa excepcional atriz que é Henriette Morineau; depois de reunir todos esses trunfos na mão estou pronto para jogar minha partida com petizada.”