A última montagem de Ernesto Piccolo mescla teatro de revista, a chanchada do cinema nacional dos anos 50 e filmes “trash”

Crítica publicada na Tribuna da Imprensa
Por Lionel Fischer – Rio de Janeiro – 20.11.1997

Barra

Hilariante Utopia Genética 

Há cinco anos, o autor Rogério Blat e o diretor Ernesto Piccolo com a colaboração de profissionais como figurinista Kalma Murtinho, a bailarina Daniela Visco, os músicos Charles Kahn e Gulherme Hermolin, entre outros, iniciaram as Oficinas de Criação de Espetáculo, no Centro de Artes Calouste Guklbenkian. Com aulas gratuitas de improvisação, pesquisa, preparação vocal, corporal e musical, criação de cenário e figurinos, o projeto acabou gerando as seguintes montagens: Funk-se, Com o Rio na Barriga, O Passado a Limpo e O Futuro Era Hoje. AS três últimas estão em cartaz na Casa de Cultura Laura Alvim , juntamente com a mais recente criação do grupo, DNA Brasil, que é o motivo desta crítica.

O texto tem um enredo curioso. Contando com a cumplicidade de um grupo secreto tupiniquim, extra-terrestres estariam há séculos fazendo a coleta de D.N.A. de brasileiros ilustres. O objetivo seria, através da manipulação genética, criar o “brasileiro perfeito”, uma pessoa cuja soma de qualidades a tornaria capaz de transformar o Brasil no melhor país do mundo. Dentre os muitos “contribuintes” constariam nomes como Pelé, Darcy Ribeiro, Zumbi dos Palmares, Tiradentes, Padre Cícero, Betinho e Tom Jobim.

O texto não chega a revelar o resultado da delirante utopia, mas oferece ao espectador momentos de muita diversão. Um exemplo: quando as autoridades descobrem a existência do Instituto Brasileiro de Relações Interplanetárias, IBRI, e sua conexão com os extra-terrestres, logo encaram a inusitada parceria como uma ameaça à segurança nacional. E então escalam um militar de elite para empreender investigações, sendo o dito auxiliado pela Nasa, que manda um investigador ao país.

Aqui, e ainda que de forma não declarada ou até mesmo inconsciente, o autor estabelece um hilariante paralelo com a época do regime militar. Para os que não a viveram, não custa lembrar que a paranoia do poder dominante era de tal ordem que até mesmo reuniões de condomínio podiam ser encaradas como uma “ameaça à ordem política”.

Para dar vida a rocambolesca aventura, Ernesto Piccolo criou uma dinâmica cênica que aproveita elementos do teatro de revista, das chanchadas do cinema nacional e dos filmes “trash” de ficção científica. Tudo embalado por muita música, dança e Carnaval. O resultado, de uma forma geral, pode ser considerado excelente, sobretudo nas passagens em que o diretor explora o estilo típico do grupo: cenas rápidas, cortes abruptos e alternância de ritmos.

O único senão fica por conta dos trechos em que o texto é dito num contexto convencional, pois aí tornam-se visíveis certas limitações de parte do elenco. Mas estas não são graves a ponto de comprometer o espetáculo. E são compreensíveis, pois estão em cena 56 jovens, muitos com pouquíssima experiência e grande parte deles vindos de segmentos sociais ignorados pela sociedade. Aliás, um dos maiores méritos deste projeto é o de colocar sob a luz de refletores aqueles que pareciam destinados a permanecerem eternamente na sombra. Parabéns, portanto, a Rogério Blat e Ernesto Piccolo por sua incansável e já vitoriosa batalha pelo direito à expressão dos excluídos.

Na equipe técnica, é excelente a participação de todos os profissionais envolvidos. Kalma Murtinho empresta seu reconhecido talento na criação de figurinos expressivos e críticos, a mesma eficiência presente na cenografia e, sobretudo, nos adereços de Analú Prestes, na música de Charles Kahn e Guilherme Hermolin, na coreografia de Sueli Guerra, vigorosa e eventualmente muito irônica, e na luz de Paulo César Medeiros. Esta última exibe soluções bastante criativas, como a utilização de lanternas na cena da descida da nave espacial.

DNA Brasil

Texto de Rogério Blat
Direção de Ernesto Piccolo
Com integrantes da Oficina de Criação do Espetáculo
Casa de Cultura Laura Alvim