Crítica publicada no Jornal O Globo
Por Rita Kauffmann – Rio de Janeiro – 05.1984

Barra

Teatro infantil
Dito e Feito: Brecht em adaptação primorosa

Não foi a toa que o público da estreia de Dito e Feito, no Teatro Villa-Lobos, aplaudiu de pé no final e exigiu no palco a presença de Lúcia Coelho (diretora do Grupo Navegando), Caíque Botkay (autor das músicas e diretor musical) e Cica Modesto (cenários, figurinos e bonecos), que há sete anos têm trabalhado com seriedade, afinco e sucesso em prol do teatro infantil ainda tão desvalorizado entre nós. Segundo Clóvis Levi (diretor do Cenacen), que esteve recentemente nos Estados Unidos, os problemas são semelhantes tanto lá quanto cá, com a expressiva diferença de que “eles têm mais condições financeiras para tentar modificar essa situação de desprestígio e inferioridade”.

Os aplausos da estreia de Dito e Feito, além de homenagear um belíssimo espetáculo, consagraram um esforço (até pela escassez de recurso, já que o grupo – como acontece em teatro infantil que nem patrocínio consegue, que dirá subvenções – se endividou para essa montagem), que torna feito o que era dito: apesar de ser um trabalho a longo prazo, razão pela qual não serve para imediatistas, portanto são poucos os grupos que a ele se dedicam, a formação de plateias infantis é possível, importante e (incrível) beneficiará, certamente, o teatro adulto, que hoje se nega a qualquer colaboração, por mínima que seja, para a evolução do teatro infantil. Mas, mesmo assim, lutando com grandes dificuldades, o Navegando conseguiu dar mais um passo, e grande, com Dito e Feito.

O primeiro mérito dessa montagem vai para a sensível escolha do texto, que, inspirado em Bertold Brecht, traz importante contribuição para o acervo cultural infantil; a adaptação feita por Marília Gama Monteiro é primorosa, seus versos fluem, contando de forma muito acessível e divertida a história que Brecht escreveu inspirado numa velha lenda oriental sobre O Círculo de Giz, em que os conceitos de amor e justiça são questionados e apresentados de forma não usual para crianças; a música de Caíque Botkay favorece os climas dramáticos ou bem humorados, quando se fazem necessários apoiada pela execução ao vivo dos músicos Charles Kahn, Ignes Perdigão, Joaquim de Paula e Renato Pablo. Cenários simples, mas de concepção inteligente, figurinos em branco e preto que realçam os cenários e que marcam a época em que a história se passa, o que reafirma sua extrema atualidade, inclusive política, e bonecos interessantes (O ganso azul é ótimo!) foram à contribuição de Cica Modesto. A iluminação de Roberto Santos é correta e Cláudio Baltar fez um belo trabalho de preparação corporal dos atores, que se movimentam incansavelmente em cena, desempenhando os mais diversos papéis.

A segura e eficiente direção de Lúcia Coelho conseguiu do elenco um trabalho que, além de afinado, é feito com muita garra e amor. Vale destacar as atuações de Zezé Polessa e Fernanda Coelho que, em papéis de destaque, têm oportunidade de mostrar seu potencial artístico.