Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 13.04.1996
Flagrantes de uma geração
Diário De Um Adolescente Hipocondríaco, lançado no Brasil em 1993, é um livro de grande sucesso entre a faixa etária a que se destina. Escrito pelos médicos ingleses Aidan Macfarlane e Ann Mcpherson e para uma juventude carente de informações, pegou seus pais, remanescentes da geração hippie e da swing London totalmente desprevenidos. Enfim, foram eles que fizeram a revolução sexual no mundo. Mas o diário de Peter Payne, personagem principal da história, não é bem o que foi o Relatório Hite para os anos 80. Este relatava experiências de uma geração já atuante sexualmente e falava mais sobre preferências e identificações. O livro, escrito em forma de diário, tem o grande mérito de informar, mesmo a partir da desinformação (Peter acha que pode ter pego diarreia de um colega da escola). O clima informal acaba envolvendo o leitor com o personagem tão naturalmente desinformado quanto ele mesmo.
Mas se o livro é destinado a esclarecer o adolescente sobre as doenças sexualmente transmissíveis, entre elas a AIDS, além de outras informações pertinentes à geração, como a acne, a menstruação, entre outras, a adaptação do texto e a concepção dramatúrgica de Sura Berditchevsky amplia o universo da obra, focando suas intenções nas relações familiares, nas amizades e na descoberta do amor.
Mantendo os personagens do livro: Peter, Susie, Sally, e família, mais o amigo Sam, o texto ambientado quase que totalmente na escola dá maior peso ao corpo docente como elemento de interferência, deixando em cena o retrato de uma geração, recria suas relações familiares no que elas têm de bom e ruim com seus professores e amigos.
Com personagens bem delineados, a história começa com Peter Payne sendo acusado pela professora de Biologia de ser um hipocondríaco. Como desconhece o significado da palavra, pensa estar gravemente doente. Na busca dos sintomas de sua enfermidade, Peter acaba descobrindo, como diz a senhora Mackintoch, a diretora da escola, que “o mundo é muito maior que o quintal da nossa casa”.
Sura concebe um espetáculo de cenas monumentais e bem desenhadas, sem que o tamanho da encenação prejudique o tom intimista do texto. O diário de Peter é feito em off em perfeita sintonia com a ação do palco. A inserção de 30 bicicletas (transporte popular no subúrbio londrino) coreografadas por Fabiana Valor tem grande impacto visual, que, mesmo assim, não se contrapõe às cenas solo, mais recortadas e feitas como um entreato de ligação no enredo.
Os cenários criados por Ronald Teixeira e Sura, feitos em módulos de madeira desmontável, se transformam, sob o comando dos 40 atores em cena, numa sóbria biblioteca, no pátio do recreio e na casa dos Payne, entre outros ambientes de forma ágil sem perder a plasticidade com que caminha o espetáculo. A iluminação de Jorginho de Carvalho valoriza a cenografia e destaca as cenas de conjunto com preciso colorido.
O superelenco tem destaque na família de Payne, Leonardo Otero, num bem construído Peter e a engraçadíssima Any Dana como Susie. O amigo Sam é interpretado brilhantemente por Bernardo Palmeira. No colégio, Ana Soares e Fabiana Valor são as senhoras D. Bellows e Z. Bellows. Com rigoroso humor britânico, Waleska Areias e Gabi Amaral são as professoras de Biologia e a do maternal. Maria Clara Guin é a inspetora geral.
Com trilha recolhida dos Titãs, Diário de um Adolescente Hipocondríaco é um espetáculo de rara sensibilidade para crianças, adolescentes, adultos e principalmente para o próprio teatro.
Cotação: 4 estrelas (Excelente)