Cena do espetáculo Desmiolações

Crítica Publicada no Site da revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 18.07.2014

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Desmiolações: ótimo livro que não virou boa peça

Palhaça Rubra (Lu Lopes) encabeça trio de clowns em espetáculo sem ritmo e com escolhas erradas da direção

Saí decepcionado do espetáculo Desmiolações, na Sala B do Teatro Alfa, em São Paulo. Tinha ouvido falar bastante bem da Palhaça Rubra, clown da atriz Lu Lopes. Ela tem 20 anos de carreira, participou dos grupos Jogando no Quintal, Doutores da Alegria e da Banda Gigante. O espetáculo é dirigido por ela e pelo premiado Marcelo Romagnoli, mas não tem ritmo, não tem graça. O que tem, então? Tem marmelada? Tem goiabada? Tem poesia e lirismo. Mas só no texto. A direção não acompanha nem de longe a potência lírica das palavras.

E essa poesia toda vem do livro no qual a peça é baseada, também chamado de Desmiolações (editora do SESI, ilustrações de Edith Derdyk). Vale a pena comprar o livro e ler em casa, mais do que ir ver a peça. Ele foi escrito pela própria Lu Lopes e o texto é realmente muito bonito. Mas não resultou em um espetáculo ágil e com dramaturgia de fôlego. É literário demais. Sem uma adaptação eficiente, fica tudo parecendo leitura em voz alta, o tempo todo. Puxa, mas justamente em um espetáculo de palhaços?

A direção pífia deixa os três atores-clowns estáticos na maior parte do tempo, olhando para a plateia e vomitando o lindo texto. E o que é pior: em alguns momentos, o texto surge todo em off, longos trechos gravados em off. Pra quê? Por quê? Os atores ficam fazendo o que enquanto isso? Lu, a Rubra, como clown não me convenceu muito neste espetáculo. Espanta-me saber que ela tenha tanta trajetória nesta arte, pois me pareceu que se apoia demais apenas no sotaque acaipirado, que exagera na letra erre, como seu único recurso de humor. Claro, cada clown tem uma característica que lhe é mais marcante. Mas, pra mim, a Rubra falando com jeito de interiorana não bastou para me fisgar pelo humor. Os outros dois clowns são o Palhaço Adão, de Paulo Federal, e o Comendador Nelson, de Luiz Fernando Bolognese. O trio está mal aproveitado. Pena. A plateia só ri com os trechos de escatologia, que falam de bunda e de pum.

A ideia do telão com projeções de videoarte, a cargo de Raimo Benedetti, não combina nem um pouco com a iluminação escolhida por Sylvie Laila. Na maior parte da peça, as imagens ficam apagadas demais no telão. Péssimo. Um longo texto em off é dito, por exemplo, enquanto se projetam cenas e mais cenas do filme O Garoto, com Charles Chaplin. E daí? Em mim, não fez nenhum efeito. Fica parecendo uma ideia preguiçosa, óbvia e nada criativa. Se há alguma coisa que se salva como divertida, brincalhona e atraente neste espetáculo, que, afinal, é um espetáculo de clowns, é a trilha sonora, assinada também por Lu Lopes e por Fê Stok. Mesmo assim, apenas em alguns trechos, porque em outros vira um descompasso incômodo, como se a euforia musical brigasse com a literatice estática na qual os diretores se enredaram como numa armadilha.

Reparem na lindeza dos seguintes trechos do texto de ‘Desmiolações’  (livro e peça) e vejam se eles não mereciam um espetáculo mais bem cuidado:

“Eu descobri que o peito peludo do meu tio deve crescer para dentro também. Porque ele sempre ama demais as pessoas. Os pelos ao contrário devem abraçar o coração.”

“Eu descobri que tem cada tipo de avô neste mundo! O meu avoou a vida toda com os passarinhos que avoavam na cabeça dele. Ele era avoado para uns. Birut/a para outros. E era meu avô para mim.”

“João descobriu que coisas também têm vida. E eu descobri que criança enxerga vida em tudo.”

“Naquele momento, Luzia descobriu que o coração possui marchas de automóvel. Até então, seu coração tinha experimentado apenas as duas primeiras marchas. Mas, ali, ela passou pela terceira, quarta e quinta marchas num segundo. A batedeira era tanta, que ela descobriu que seu ouvido tinha alto-falantes, porque ouvia o estrondo do seu coração gritando! Ela descobriu também que sua cabeça apitava como a panela de pressão e que girava como o globo espelhado do salão do baile!”

Serviço

Teatro Alfa – Sala B
Rua Bento Branco de Andrade Filho, 722
Tel. (11) 5693-4000
Sábados e domingos, às 17h30. R$ 30,00 (inteira) e R$ 15,00 (meia)
Até 7 de setembro