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Metanoia. Foi um susto. Não conhecia essa palavra e me espantou vê-la assim, maiusculada e destacada, abrindo o livro A Tirania do Prazer, de Jean-Claude Guillebaud, que eu iria traduzir para a Ed. Civilização Brasileira. O dicionário justificou e ampliou esse susto, pois o autor cunhava com essa palavra as décadas finais e a virada para o século 21. Reli para mim mesma seu significado: “uma profunda transformação ou uma mudança radical de mentalidade e caráter; a mudança de um indivíduo que está vivenciando um novo modo de viver”. E, como em eco, minha memória começou a me sussurrar outras palavras e expressões que já ouvira para definir esses tempos” a era dos extremos” (Hobsbaun), a “era do caos”, “era dos paradoxos”, “do vazio”…

Não precisava ir longe para entender essa caracterização. Bastava olhar as profundas transformações que os tempos estavam trazendo: transformações geográficas, que tornariam o espaço do homem não mais sua nação, apenas, mas todo o mundo, na planetização ou globalização que hoje vivemos e faria da quebra de fronteiras, limites e barreiras entre os povos, culturas e linguagens um dos paradigmas da virada do século; transformações econômicas, obrigando a planificar a produção, criando uma tecnocracia cada vez mais atuante socialmente e dando ao operariado e às massas um papel político no Estado; transformações resultantes dos movimentos sociais de mulheres, de comunidades, de negros, de gays, abrindo-lhes um espaço até então negado pela discriminação e marginalização impostas por uma sociedade patriarcal, autoritária, hierarquizante e repressora; transformações que afetariam a escala de valores, fazendo redescobrir o valor e significação real do trabalho, da ação, do social como ampliação das insuficiências individuais; transformações que afetariam as formas de expressão e manifestação, abrindo espaço à imaginação, à fantasia, à inventividade, à afetividade, ao lúdico, secundarizados pelo racionalismo excludente que havia predominado por séculos; transformações que se tornariam tão características da história e do pensamento desses tempos que fariam das nações do progresso e mudança as ideias-chave então dominantes.

No plano pessoal, um par de futuros professores vivia igualmente seus sonhos, ele, terminando o curso de Matemática e Física na UFRJ, e eu, o de Letras na PUC-RJ: casar, e trabalhar sem patrão, aplicando no campo da Educação a experimentação e inovação que nos acenavam das leituras e notícias vindas do campo teórico ou de experiências vividas alhures. E foi o que fizemos: empenhando-nos em montar e reunir todos os recursos possíveis, montamos um colégio, do primário ao 1º grau e nos dedicamos a dar a esses alunos, de 3 a 15 anos, tudo que nos parecia possível e necessário. O que nos levava a pensar, repensar, discutir e tentar permanentemente trazer à prática nossas ideias e planos. Entre os itens dessa inquietação surgiu a pergunta:

Existe uma nova criança?

Pergunta que nos levou a escrever um ensaio com esse título, que seria publicado nos Cadernos de Jornalismo e Comunicação do Jornal do Brasil (nº 32/33), e, para minha surpresa, reproduzido nos Cadernos de Teatro do Tablado (nº 63) e pela Secretaria Municipal de Educação, que o enviaria a todas as escolas da rede municipal. Comprovando que aquela pergunta não era só minha, mas inquietava também a muitos mais.

No ensaio eu perguntava: se, desde o início da década de 60, estavam se ampliando cada vez mais os movimentos que sacudiam toda a estrutura sociocultural, e novas tecnologias ampliavam progressiva e seguidamente seu campo de visão, como estariam repercutindo na criança as transformações que víamos em torno? Seriam as crianças atuais realmente mais espertas, mais ativas, mais inquietas e atentas ao que se passa em torno? Ou realmente mais amadurecidas, ou mais precocemente amadurecidas, que as de outras épocas, como supunham alguns? Ou isso era apenas impressão de alguns, frutos de uma distância no tempo que altera as próprias lembranças e vai nublando a visão, fazendo estranhar os objetos percebidos? Ou até, no caso de professores mais idosos, de se sentirem deslocados em um mundo cujos valores, aspirações e necessidades eram cada vez mais diversos dos seus?

Qualquer que fosse a resposta, era evidente estar havendo uma alteração nos comportamentos e atitudes da criança, que, obviamente, não poderia ficar ilhada ou alheia às transformações ocorridas. Um denominador comum permeava todas as respostas: a ampliação e multiplicação de meios, sobretudo dos meios de comunicação, cinema, teatro, TV, literatura infantil e juvenil, revistas de quadrinhos, videogames, etc etc., era particularmente sensível no caso da criança, colocada em contato direto com a realidade, formada e informada desde cedo de maneira diferente, por uma cultura não mais transmitida ou mediatizada apenas por pais ou professores, evitando os rodeios da interrogação indireta, reduzindo ao mínimo, ou a uma fonte a mais de consulta, apenas, o contato informativo com adultos. A autoridade de uma comunicação pessoal passara a ser substituída pela do contato direto com os objetos da cultura. A maleabilidade anterior dando lugar a uma exigência de responsabilidade, de ter que responder por, ou assumir por conta própria a tarefa e os riscos de seu conhecer.

Atitude que revolucionava os esquemas da Educação, reduzindo ou dividindo seu poder de formação e informação com esses meios e provocando com isso condutas contraditórias, atordoando os conservadores de museus culturais, mais levando os professores mais conscientes, e felizmente há muitos! a um aproveitamento do enorme potencial que encerra esse movimento auto didático na pesquisa orientada, no estímulo à criatividade, na solicitação à reflexão, na aprendizagem pela experiência vivida, própria e/ou de outros, e não pelo recebimento ou transmissão passivos de uma herança ou patrimônio cultural.

Sabendo que só assim poderiam buscar uma resposta ao desafio que representa a necessidade de uma nova metodologia, capaz de dar eficácia a uma ação educativa menos centrada na mensagem em si transmitida do que na avaliação das mensagens recebidas. Sintonizando com uma Cultura em que a Informação e a Comunicação se tornariam essenciais e a Linguagem, base do contato e do diálogo que estabelecem a relação, objeto de atenção.

Buscando, por assim fazer, desses meios, instrumentos pelos quais se estabelece, ou restabelece, uma relação do homem com a realidade que o cerca. Relação que se torna ou se quer comunicação, isto é, um pensar, sentir e viver em comum com os outros. Comunicação, portanto, que é não só um movimento de extroversão, de abertura para a realidade, o mundo, os outros, acrescidos em valor e importância com as novas necessidades do tempo e assim tornando-se cada vez mais presentes e vivos, como também uma religação com as próprias origens, com aquele primeiro ser humano, pequena cédula viva no imenso ventre de uma natureza-mãe doadora e castradora, da qual tudo extraía, buscando as forças e a confiança para a sua ação  em um contato com a humanidade em torno, em um sentir e agir em comum. E é no contexto desse retorno que a expressão de MacLuhan, de estarem os meios transformando o mundo em uma imensa aldeia global, adquire todo o seu significado.

Uma abertura significativa. Múltipla, plural, diversificada. Mas também um desafio a enfrentar.

No ensaio supracitado eu explicitava esse desafio dizendo: “Desafio que se estende à nossa capacidade de utilizar em toda a sua extensão e profundidade os meios de que dispomos. O que pode ser sedimentado a partir de uma reflexão sobre os efeitos convergentes que tais meios produzem sobre a criança: efeitos afetivos, ao agir sobre sua credulidade e encantamento e acionar seus mecanismos de projeção, identificação e transferência; efeitos emocionais, de mimese e catarse; efeitos sobre sua percepção, deslocando-a de detalhes ou aspectos isolados para conjuntos maiores e mais distanciados; efeitos intelectuais, de ampliação e diversificação de informações sobre o mundo adulto; efeitos morais, sobre sua visão de mundo  e escala de valores. Ah! A sempre discutida violência…; efeitos sobre sua socialização, também acelerada, desligada dos pais e do mundo adulto em geral, mas religando entre si os companheiros da mesma idade, que realizam experiências paralelas.” Aqui acrescentaríamos algo mais recente, mas nem por isso menos importante: a Internet, hoje.

É essa referência à experiência vivida que traz à tona a ampliação ou modificação sofrida no próprio processo de conhecimento: a realidade que não é mais mediatizada pela autoridade, também não o é mais exclusivamente pelo  conceito e, sobretudo para a criança, adquire enorme importância o papel da informação visual que caracteriza nossa alardeada civilização da imagem: o pensamento verbalizante vê-se enfrentado por um pensamento imagístico; as mensagens transmitem menos conceitos do que formas; signos verbais e signos visuais coexistem, ou mesmo se opõem. Uma pedagogia da expressão visual vê-se assim duplamente desafiada: a obter uma visualização dos conteúdos verbais e uma verbalização dos conteúdos das imagens.

Parindo, assim, de um fato psicológico da criança, o de que tudo que vê, vive ou sente é por ela vivido como uma experiência e de que é o conjunto dessas experiências que dá as bases de seu enriquecimento potencial, compreende-se a afirmação generalizada de psicólogos, educadores e estudiosos da comunicação, de que as crianças desde então usariam esses meios como uma das fontes de onde extraem material para organizar e interpretar suas experiências.

O que nos cabe, então, se nos preocupamos realmente com a criança, é buscar conhecer seu processo de desenvolvimento e a ação desses fatores sobre ele, para tentar achar nossas respostas ao desafio de transformação que assim nos é também proposto. Lembrando que é difícil isolar, ou às vezes até distinguir de imediato, os aspectos mais positivos e os mais traumatizantes desse relacionamento criança-mundo, pois os mesmos fatos encaminham, por vezes, às duas possibilidades. Para sentir a diferença, cabe lembrar, como assinalamos acima que, entre os aspectos mais positivos, que cabe buscar desenvolver, encontramos: a visão mais direta da realidade, o contato pessoal, múltiplo e diversificado, com os objetos da cultura, cinema, teatro, literatura, música, etc., em oferta crescente, inclusive os a ela especificamente destinados;

donde a exigência de maior responsabilidade, pois ela mesma tem que “responder por” tudo que lê, vê, diz, faz, ouve, etc.

donde, necessidade de desenvolvimento do espírito crítico e até de uma des-confiança sadiamente “irreverente” diante do que lhe é proposto;

donde, potencial próprio de criatividade e reflexão, exigido pela própria necessidade de responder permanentemente a tudo que ela recebe do exterior e que a desiquilibra momentaneamente, até ser assimilado e integrado, para obter assim nova equilibração;

O que nos faz ver, de imediato, os aspectos negativos, ou reverso desses dados:

– a dificuldade de selecionar e integrar dados tão dispersos e em bombardeio tão seguido sobre sua capacidade de absorção;

– a capacidade de obter a visão de conjunto necessária à ação;

– a insegurança daí derivada e capaz de acionar os mecanismos de fuga e a submissão, consequente, a qualquer nova autoridade;

– a possibilidade de fazer do grupo, por efeito dessa insegurança, não uma ampliação da pessoa, mas um refúgio ou anulação da própria individualidade;

– enfim, a submissão possível a toda uma autoridade impessoal “a sociedade atual é repressora”…e tranquilizadora. Esses aspectos Erich Fromm apontaria em O Medo da Liberdade e Karen Horney analisaria em A Personalidade Neurótica de Nosso Tempo, obras de compreensível repercussão na época.

Os itens listados nos lembram pontos que podem nortear nossa bússola em busca de uma visão crítica do que está sendo oferecido à criança de hoje, ou do que pode e deve ser preocupação de criadores e produtores com o que lhes será destinado. E que resumiríamos na seguinte pergunta:

Que uso podem as crianças fazer com o que lhes está sendo, ou vai ser, oferecido para organizar e interpretar suas experiências?

Para uma resposta é necessário que criadores, produtores, educadores sejam sempre levados a ver na criança o ser humano de muitas facetas que ele realmente é, e não um “espectador”, isto é, “aquele que olha”, um consumidor, ou um recipiente passivo de informações acumuladas. É preciso uma mudança essencial de comportamento e atitude ainda vigentes: que o planejamento e visão das coisas não parta apenas do ângulo do criador/produtor, mas, sobretudo, do ângulo do espectador, isto é, da própria criança, para sentir que elementos estão compondo a estrutura da experiência do espectador infanto-juvenil atual, o que nele obtém ressonância, o que pode despertar seu interesse e participação, quais as tendências específicas de cada idade ou sexo, enfim, para perguntar o que podem nossas crianças fazer com o que lhes é, ou será, dado em nosso teatro, cinema, TV, literatura, vídeo, etc. etc…

Preocupações que parecem estar vindo novamente à tona de vários pontos, abrindo perspectivas e possibilidades novas. Pois as relações dos seres humanos entre si e com o mundo se tornaram novamente fundamentais, por ser “a socialização é um dos aspectos característicos da nossa época. Socialização que consiste na multiplicação progressiva das relações dentro da convivência social e comporta a associação de várias formas de vida e de atividade”. (Cfr.Encíclica Mater et Magistra). A Cultura, sendo o lugar ou contexto em que essas relações se processam, adquire importância vital. É por ela, que, aliada à Educação, se poderá obter a aceleração de todo um processo transformador, atuando sobre um sistema de pensamento e hábitos para manter viva e atuante uma escala de valores compatível com o mundo atual, com as necessidades e com as possibilidades por ele trazidas e, sobretudo, com o ser humano que está sendo com, e por elas formado, ou deformado.

O que fazer?

A pergunta “ o que podem nossas crianças e adolescentes fazer com o que lhes está sendo oferecido para organizar e interpretar suas próprias experiências” foi levantada meses atrás em um seminário em Recife, e abriu discussão acirrada quando alguém trouxe à baila os vídeogames que lhes são destinados, dizendo “Observem. Neles a guerra é sempre uma “ brincadeira”. Vencedor é quem destrói mais, quem consegue aniquilar o outro. O outro é sempre um adversário, o inimigo a ser destruído ou eliminado. E para esta destruição vale tudo: explodir, derrubar, esmagar, afogar, bombardear, em suma, destruir e matar, verbos que vi crianças e adolescentes repetindo em coro num jogo, assinalando cada jogada feita. O sucesso é conseguir dominar e/ou destruir; o erro é não conseguir destruir ou matar. E quem “erra” é objeto de zombaria, pode ouvir um som irônico, ou até uma voz debochando “errou, errou…” Se a violência é a norma, é “a regra do jogo”, por que não seria “normal” ou natural alguns jovens metralharem colegas em uma escola dos Estados Unidos? Ou como é que crianças e adolescentes vão saber que não é um jogo quando a OTAN bombardeia a Iugoslávia, ou Milosevic esmaga a população de Kosovo, ou no Timor Leste há um massacre, ou em Rhuanda e Angola comete-se genocídio? ”.

Alguém aparteou: “Mas a competição é a regra do jogo no sistema capitalista. Não é à toa que falam em capitalismo selvagem. Está coerente com ele”.

Outro interferiu lembrando que, a pedido de um grupo de adolescentes, traduziu para eles as letras de algumas músicas do Sepultura, do Rage Against The Machine, do Motorhead e outros, ouvidos seguidamente por adolescentes e jovens. Seus temas falam das próprias estruturas da sociedade atual, o que já é curioso e importante assinalar: da família, em que muitos podem dizer ” nunca vi a cor dos olhos de meu pai”, ou que “vivem num inferno”; da escola em que “ o professor se sente um bobo diante de alunos sentados, ouvindo, indiferentes, a merda que ele é obrigado a ensinar”, sem que nada do que é aí dito “ vá mais dentro e mais fundo”; de um sistema em que “ o deus é o Dinheiro”, em que “ o lucro e o roubo decidem nossos destinos” e “ nos conduzem à morte”; sistema que se pretende “ dono da verdade e das vidas”, mas, “ é imperador das mentiras”, e põe “ toda uma ampla rede em ação para fazer a cabeça de toda a população e manter as pessoas tranquilas, consumindo passivamente”… E concluiu dizendo: “ Por isso não venham me dizer que isto ou aquilo não deve ser feito”.

Nos comentários que iam surgindo eu via que há uma rejeição, ainda que intuitiva ou sem aprofundamento crítico, há perguntas, mesmo se ainda sem resposta, há uma busca, que é válida e sadia, e se expressa, por exemplo, no próprio ato de querer saber e comentar o significado das letras musicais trazidas. Uma busca. E foi então que, na qualidade de mediadora, perguntei: “ mas se o tema de nosso seminário é o teatro e a literatura para a criança e o jovem, cabe perguntar: em que, e como, esse teatro e literatura estão contribuindo para esta busca, para esta inquietação, para ser uma experiência capaz de acrescentar e enriquecer? Sete-atrium = lugar de ver, é esta sua própria razão de ser, seu compromisso real e maior.

A discussão pegou fogo novamente. Anotei e registro aqui as questões levantadas. Como provocação ao leitor, para que pense suas respostas e como levá-las à prática:

– O teatro para crianças e adolescentes que vemos está sendo, ou será algo capaz de lhes dar a variedade de informação e experiência que precisam receber fora da educação formal?

– De alargar seus poderes de observação e expressão?

– De aumentar sua “alfabetização visual” a respeito dos objetos e dos fatos?

– De elevar sua curiosidade pelo que veem em torno?

– De lhes abrir o mundo da realidade ligando-o também ao imaginário, à fantasia, à afetividade, ao lirismo, ao metafórico, ao abstrato?

– De estimular a satisfação de necessidades até então não descobertas e a curiosidade por áreas ou assuntos de interesse e importância humana?

– De melhorar sua condição humana através de suas experiências visuais?

– De fazê-los sentir e pensar, sem trazer modelos de fora para dentro, sobre problemas que adiante terão que enfrentar, e que poderão enfrentar se conseguirem guardar dentro de si mesmos um espaço pessoal, vinculado, no início, ao poder de suas próprias fantasias?

Impossível? Quem disse? Se Monteiro Lobato, tão nosso e tão perto de nós, já provou que isto pode ser real?  “A imaginação no poder”, “Quando alguém aponta para a Lua, imbecil é o que só vê o dedo”.

“Sejamos realistas: queiramos o impossível”, escreveram os jovens nas paredes de França em maio de 68. Simples frases? Não. Um dos caminhos que levam à imaginação é o lúdico, que caracteriza toda a atividade infantil. Nele encontram-se à tona inúmeros aspectos que o homem sente hoje em si e na realidade que o cerca: é um aprendizado de uma realidade nova e caminho possível de uma descoberta; um exercício para uma vontade de poder e autoafirmação; serve à realização de desejos, que é um dos motores do inconsciente, mesmo que só no plano da fantasia; tem a ambivalência e a imprevisibilidade que hoje caracterizam nosso real, fixa-se à forma, à aparência, hoje enfatizadas nos códigos que ressaltam a importância do signo visual, da imagem, etc.

Enfim, a pergunta que fica, e que só um estudo maior, que incluísse outros dados, poderia dizer (exemplo: por que o esporte – jogo também – é tão difundido no mundo de hoje? Por que tão explorado e explorável?) é se não haveria entre essa criança e o novo homem que surge elementos de identificação, não só no sentido inicialmente sugerido, de que na criança ele se revela, mas igualmente em sentido inverso. Isto é, de que nessa criança ele se vê surgir e em suas características e respostas ao mundo descobre, mais que valores, necessidades suas: no momento em que transformações aceleradas o

Sacodem, que lhe tiram todas as certezas, que o fazem por em questão o sentido de tudo, o lúdico, o mágico, o mítico, tentam o homem a um retorno ao mundo fascinante da infância, em que a imaginação se mistura ao real e lhe dá uma imensa abertura. E essa possibilidade de abertura de tal modo o atrai que ele fantasia, por um instante, fazer-se à sua imagem e semelhança, reaprender a brincar, redescobrir-se, redescobrir sua espontaneidade de criança. E fazer dessa descoberta o ponto de partida de uma criatividade que é hoje condição de sua autoafirmação e liberdade, e sem as quais, mesmo que venha a ter tudo  que esta mitificada e mistificadora “sociedade de abundância” puder proporcionar, será sempre, interiormente, um ser castrado e infeliz.

Guillebaud, com quem começamos este diálogo com o leitor, termina a obra citada dizendo: “ O mundo futuro (fala do século 21, em que estamos), não é algo a ser descoberto. É algo a ser por nós inventado e criado”.

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Obs.
Texto retirado da Revista FENATIB, referente ao 19º Festival Nacional de Teatro Infantil de Blumenau (2015)