Crítica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 03.06.2016

 

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Palhaçadas em alto-mar iluminam o valor da amizade

Assim é o divertido infantil Á deriva, com a Fabulosa Trupe de Variedades

Coincidentemente, há dois barcos completamente à deriva nos palcos de São Paulo atualmente e ambos com dois personagens clownescos a bordo. Achei divertida a coincidência e resolvi registrar aqui na abertura de meus comentários sobre a peça infantil À deriva, com a Fabulosa Trupe de Variedades. (A outra não é infantil: é a excelente Rainhas do Orinoco, com direção de Gabriel Villela e em cartaz no Teatro Vivo, com Walderez de Barros e Luciana Carnieli na pele de duas vedetes divertidíssimas e, a partir de certo ponto, amargas, que representam na linguagem de circo-teatro musical as dores e as alegrias da América Latina com suas veias cada vez mais abertas).

Mas vamos ao infantil – que, aliás, a meu ver, funciona melhor para pequeninos de até 7 anos. Após um grande dilúvio na Terra, dois palhaços sobrevivem e vagam sem rumo dentro de um barco de papel (cenário encantador de Bira Nogueira, com divertidos adereços). Eles tentam achar um porto e outros sobreviventes. Em vão. Precisam fazer malabarismos (literalmente) para driblar o tédio e conseguir comida. A linguagem circense é a chave da direção sempre esperta de Fernando Escrich, que entende muito do tom de exagero e dos movimentos ampliados característicos do jogo entre clowns.

Criada em 2011, a Fabulosa Trupe de Variedades é formada pelos atores e palhaços Henrique Rímoli e Monique Franco, com quem o diretor Escrich já havia trabalhado no espetacular A saga de Dom Caixote, em minha opinião uma das melhores adaptações para crianças da obra seminal de Cervantes. Aqui, em À deriva, a secular dicotomia entre as duplas de palhaços, em que sempre um é mais doce e ingênuo e o outro, rabugento e mandão, é muito bem explorada, com direito a uma linda lição subliminar sobre a importância da amizade. A esse respeito, foi divertido ouvir, no domingo em estive presente na plateia, a reação espontânea de uma criança, ao ouvir da narradora em off que os dois personagens eram “um banana e uma megera”. A criança se virou para o lado e tascou, em voz alta: “Pai, o que é megera?”

A narração em off, aliás, é bastante utilizada no espetáculo, em momentos em que o diretor fez questão de marcar e acentuar como se fossem entreatos, com uma iluminação diferenciada do restante do espetáculo. Ponto para o ótimo trabalho da iluminadora Leandra Demarchi. Com dramaturgia assinada pela dupla de atores, Rímoli e Monique, o texto da narradora inclui, à certa altura, uma pergunta até poética, que é mais ou menos assim: “Será que a gente só valoriza o outro na hora da solidão?” Acho que a frase funcionará melhor para os adultos. O melhor da peça é que justamente a lição embutida nessa pergunta é mostrada o tempo todo com as ações de palhaçaria. E é assim, a meu ver, que as crianças vão assimilá-la melhor, não na forma do questionamento profundo da narradora. Ação é melhor do que lição. Afinal, trata-se de teatro, não de sala de aula.

Grande achado é a trilha, assinada por Henrique Rímoli. Uma das canções cativa a plateia completamente – e faz todo mundo cantar junto o refrão, que é mais ou menos o seguinte: “Quando olho pra lá, só vejo… (e o público completa:) o mar!”  Diversão inteligente. Prestigie. Vida longa para a Fabulosa Trupe de Variedades!

Serviço

SESC Pinheiros
Rua Paes Leme, 195, tel. 11 3095-9400
Domingos, às 15h e às 17h
Ingressos: R$ 17,00 (inteira). R$ 8,50 (meia).
Para crianças até 12 anos: grátis, com retirada de ingresso nas bilheterias.
Até 12 de junho