Priscila Camargo conta em Boca a Boca histórias anteriores à escrita.

Critica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Marília Sampaio – Rio de Janeiro – 11.06.1997

Barra

Priscila, contadora de histórias

Atriz leva adultos a magia do “era uma vez…” com poesia e filosofia

Quando tem festa na casa de Priscila Camargo, os amigos logo perguntam: “Você vai contar histórias?”. Esse dom da atriz, antes partilhado apenas pelos mais íntimos, acabou se transformando na peça Boca a Boca, que rendeu a Caíque Botkay a indicação para o Prêmio Shell  de melhor diretor ano passado. Atualmente o espetáculo, uma coletânea de cinco histórias universais com toques de poesia e filosofia, ocupa o palco do Teatro do Planetário da Gávea. É ali que, aos sábados e domingos, às 18h, Priscila leva o público há um tempo em que ninguém sonhava com a tecnologia do futuro.

A atriz percorreu um longo caminho até encontrar suas histórias, raramente publicadas em livros. Passou por paises como França, Espanha e Argentina, pensando sempre em montar um espetáculo que mexesse com a imaginação e a criatividade  das pessoas. “Há quase dez anos pesquiso, estudo e namoro essas histórias. Minha idéia era transportar os adultos para esse mundo mágico do era uma vez…, tão natural para as crianças”, diz contando que suas histórias são muito  antigas, anteriores a escrita. “Elas foram passadas oralmente, contadas boca a boca mesmo”, ressalta Priscila, lembrando que essa era a forma de os povos preservarem sua cultura. “Através dos anos as histórias acabavam atravessando o oceano, sofrendo modificações e tocando cada vez mais pessoas”, admira-se. E é essa trajetória secular do conhecimento humano que emociona profundamente a atriz a cada apresentação.

Em Boca a Boca Priscila Camargo utiliza pequenos truques de mágica, música e bonecos para contar as cinco histórias introduzidas por A canção de Yunus, o fio condutor da peça, simbolizando a caminhada do ser humano em busca da verdade. Em seguida vêm O Urso da Meia Lua, A Princesa Obstinada, Ahmad e a mulher Resmungona e, encerrando o espetáculo, a bela história grega Fátima, a Fiandeira.

A atriz conhece tantas histórias que poderia montar, pelo menos, outro três espetáculos. Mas, em seu primeiro trabalho solo, acabou escolhendo as que mais se aproximam dos seus valores: ”Neste momento em que a nossa cultura está caminhando para uma coisa tão distante do coração, as histórias da peça acabam promovendo essa reaproximação. Elas falam diretamente a alma”, afirma.

Apesar do currículo de 18 peças, entre elas À Volta por Cima, A Resistência e Intensa Magia, e seis novelas, Priscila Camargo acredita estar começando uma nova carreira. “A atriz é completamente diferente da contadora de histórias. Enquanto a primeira defende um só personagem, a segunda interpreta vários ao mesmo tempo. Neste caso não interessa a vaidade pessoal de quem representa e sim o brilho da história.”

Para não decepcionar como contadora de histórias, Priscila se deparou durante muito tempo, tempo aulas  com a professora Nícia Grillo e trabalhando com Inno Soure, uma africana radicada em Londres que roda o mundo contando histórias. “Ela estará no Brasil no dia 10 de julho, dando uma palestra no Planetário da Gávea”, avisa. As duas pretendem montar um espetáculo sobre histórias de amor, para apresentar aqui e no exterior. Enquanto isso, a atriz aguarda ansiosa sua estreia no cinema, já acertada, no próximo filme de Paulo César Saraceni.