Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 16.05.1998

 

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Entre beijos e espadas

A nova empreitada da dupla Pedro Vasconcelos e Marcelo Faria, responsável em 1994 pelo megassucesso de público – um espetáculo em que, a cada entrada, os atores, vindos de alguma novela da TV, eram ovacionados pelo público, na mesma medida em que a trama se perdia -, chega agora ao palco com as mesmas intenções a plateia. O espetáculo é D’Artagnan e os Três Mosqueteiros, mas desta vez a cena se modifica. Embora mantida a fórmula do elenco de estrelas – os novos galãs da TV -, o que se vê no palco é um espetáculo teatral que combina o trabalho de ator com a linha movimentada da ação. O resultado é dos melhores: entretenimento em grande estilo.

A história se conta em cenas bem divididas entre texto e ação. Para cada diálogo desse capa e espada repleto de romance, intriga e morte – ambientado na corte de Luís 13 sob os desmandos do Cardeal Richelieu, onde se unem para sempre D’Artagnan e os Três Mosqueteiros -, há muita ação de esgrima no palco e nos corredores do Teatro Clara Nunes.

Pedro Vasconcelos, na direção, usa uma estratégia generosa ao mediar texto e movimento. Mesmo nos muitos cortes da trama, o que exige excesso de black-outs, ele se sai muito bem, atenuando a escuridão total com flash estourado de luz. Uma novidade interessante. Nas cenas de romance, o foco vai para Rodrigo Santoro e Bebel Lobo. A dupla, convincente na interpretação, conquista a plateia, que se sente brindada nas muitas cenas de beijo, numa época em que se beija muito pouco no teatro. A ação da esgrima, coordenada por Gaspar Filho, um mestre na arte, é intensa e vibrante. O público se manifesta à altura na sua participação.

Contando com o grande apelo do sentimento de amizade que une os mosqueteiros – Pedro Vasconcelos, Marcelo Faria, Thierry Figueira e Rodrigo Santoro -, o espetáculo parece contar uma peça dentro de outra. Impossível deixa de lembrar que esses mosqueteiros, ou pelo menos dois deles, Pedro e Marcelo, se uniram para formar a Companhia Carioca de Teatro Jovem, que encena o espetáculo, correndo todos os riscos que envolvem uma produção desse porte. Pedro, mesmo com muitas funções – ator, autor, produtor e diretor -, é responsável pelas melhores cenas de humor. São detalhes, gags que chegam inesperadas e surtem o maior efeito. Outro bom resultado é conseguido por Luana Piovani, como Milady. Num papel episódico, a atriz passeia pela trama com sua bonita figura e subverte o final trágico da personagem pelo exagerado da composição. Dá certo.

Essa estratégia de misturar o trágico ao cômico acaba se revelando um dos maiores trunfos do espetáculo. Sem banalizar o enredo, o diretor se abstém das cenas estanques que se dividem em momentos sérios e momentos de humor. Eles se interligam naturalmente, sem a paradinha fatal, que invariavelmente dá tempo para a plateia refletir sobre o assunto, e que, é claro, sempre se arrasta além do necessário.

A produção bem cuidada tem cenários sóbrios, mas funcionais, de José Dias, que se transformam, no palco, em estalagem, palácio e outros ambientes. Os figurinos de Cláudio Carpenter vestem numeroso elenco – 18 atores em cena -, com a suntuosidade exigida pela época. Fechando a técnica, a trilha de Bruno marques conduz a ação em ritmo cinematográfico. Um achado.

D’Artagnan e os Três Mosqueteiros é o sucesso de estreia da Companhia Carioca de Teatro Jovem. Certamente, daqui por diante, o “um por todos, todos por um” fica sacramentado. Vida longa à companhia.

Cotação: 3 estrelas (Ótimo)