Crítica publicada em O Globo
Por Flávio Marinho – Rio de Janeiro – 24.07.1975
Da Metade do Caminho ao País do Último Círculo
Aprofundando – e prosseguindo – a linha estilística de Histórias de Lenços e Ventos – espetáculo que recebeu a difícil recomendação especial da Associação Carioca de Críticos Teatrais, no ano passado – o grupo Ventoforte mostra seu novo trabalho, Da Metade do Caminho Ao País do Último Círculo na sala de Corpo e Som do Museu de Arte Moderna, numa jogada diferente: aos sábados e domingos à tarde, uma versão para crianças; de terça a domingo à noite, outra adaptada “para a psicologia adulta”.
Acontece, porém, que a versão apresentada como adulta não chega a ser das mais felizes; o texto original de Ilo Krugli também não ajuda muito. Apresentando uma troupe de circo numa constante viagem de amor e paz – uma espécie de prolongamento de, digamos, Hoje é Dia de Rock – Ilo, além de ter um diálogo pobre, estrutura fragilmente – e desenvolve mal – o seu Da Metade do Caminho Ao País do Último Círculo. Sentindo, talvez, a fragilidade de seu tema-base, o autor oferece, ainda, como contraponto crítico ao “pão e fantasia” reinante, um personagem “realista” pouco inspirado que, infelizmente, padece na interpretação dramaticamente exacerbada de Pedro Veras. Dessa forma, mesmo boas ideias como a do país imaginário em que o rei obriga todo mundo a dizer sim (quem disser não, é preso e torturado) acabam diluídas, desperdiçadas no próprio texto.
Partindo de elementos desiguais, a direção, também de Ilo Krugli, tratou de cuidar da beleza formal do espetáculo – o que costumava acontecer, ainda como ponto de referência, nas montagens do grupo do Teatro Ipanema. Intenção, até certo ponto, bem sucedida. Plasticamente, no primeiro ato, há belos momentos em que luz, cor, cenário, figurinos, lenços e ventos se entrosam com perfeição. A atmosfera mágica é plenamente atingida em tons líricos e lúdicos, adensados pela simpática música de Beto Coimbra, Caíque Botkay e do próprio Krugli. E é exatamente nos números musicais que Da Metade do Caminho Ao País do Último Círculo consegue se realizar integralmente, alcançando, inclusive, um alto grau de comunicação com o público adulto. No segundo ato, porém, todo esse clima se desvanece. A inclusão de um número de marionetes, por exemplo, surge algo forçada e nunca chega, realmente, a funcionar; o espetáculo se torna longo demais; a direção se mostra indecisa em como chegar ao fim da viagem que deveria conduzir os personagens ao país do último círculo. Os figurinos de Krugli são acertadamente alegres e coloridos, enquanto o cenário – também de sua autoria – favorece a carga inventiva da direção. Do elenco, todo ele esforçadíssimo, destacam-se a marcante máscara de Sílvia Heller e fugidios instantes de Sílvia Aderne. Provando que o vento, afinal, ainda não é tão forte, Da Metade do Caminho Ao País do Último Circulo deixa claro que, apesar de suas inegáveis boas intenções – e talento criativo – o grupo tem um longo caminho a percorrer. Pois o espetáculo só chega a ser realmente positivo – e em termos visuais – no primeiro ato. Um caminho, em todos os sentidos, pela metade. Não há dúvida, no entanto, que se trata de um trabalho digno da atenção do espectador voltado para o teatro experimental.