Aproveitando o encontro proporcionado pelo Festival e Seminário, reuniram-se vários elementos ligados a teatro infantil, do Rio, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Goiás, Bahia e Pernambuco para formar um grupo e a partir das necessidades sentidas e vividas, buscar e propor sugestões, soluções, realizações capazes de provocar na realidade atual a indispensável mudança.
Em nossa realidade brasileira, a marginalidade do teatro infantil é um fato que nem os que gostam de tapar o sol com a peneira conseguem negar. Marginalidade que vem desde aspectos mais profundos ou mais ligados a uma visão ideológica e cultural – na qual o “infantil” tem sempre conotação inferior ou pejorativa e a criança, não sendo economicamente produtiva, não conta socialmente – a aspectos mais diretamente abertos e pressionantes desta mesma realidade econômica e social. Tais aspectos já têm sido seguidamente discutidos, proclamados e denunciados, sem o menor resultado. Repetindo, já que dizem que água mole em pedra dura…
A situação secundária a que o relegam as casas de espetáculos, “acampando” (na divertida expressão de Lúcia Benedetti) a um canto de cena onde lhe pedem que fiquem como criança “bem comportada”‘ daquele conceito antigo: sem mexer nos cenários, nos refletores, sem incomodar, enfim, os que fazem seu espetáculo “adulto” no local.
A falta de bons textos e de divulgação dos poucos existentes que incentiva as “adaptações” e “improvisações de autor”, raras vezes bem sucedidas. Problema que fora do Rio e de São Paulo, pelo que vimos, torna-se terrível: “Ana Maria Machado pergunta quais os nossos critérios para escolha de um texto infantil, disse-nos um grupo do Seminário. Quando só temos em mãos 2 ou 3 textos, dos quais apenas um atende por vezes às nossas possibilidades de produção, pode-se lá ter “critério” ou muito menos “escolha”? A escolha é uma só: fazer aquele mesmo – do melhor j eito que pudermos – ou não fazer, o que não cremos que seja uma boa, também”.
A falta de informação, quer do público quer dos próprios elementos que fazem o teatro infantil.
Do público, pela ausência quase total de crítica, que deixa a única crítica existente – do Jornal do Brasil no Rio – na difícil condição de “única voz clamando no deserto…” e garante a espetáculos de baixo nível a possibilidade de uma propaganda maciça e mistificadora – infelizmente quase sempre bem compensada. Situação surpreendente: “O Globo”, “O Estado de São Paulo” e outros jornais de igual influência não se preocuparem com esses 42% da população brasileira que, segundo as estatísticas oficiais, têm menos de 15 anos, é algo que não se compreende. Menos ainda quando se vê que a ligação teatro-escola agora assume forma legal e o teatro, entrando no currículo escolar, terá maiores possibilidades de motivar a criança – até o momento em que desestímulo com o que vir passar a predominar de novo… Situação significativa, no entanto, daquela marginalidade a que aludimos, e que permite aos que a assumem esse tranquilo lavar-as-mãos, pilateandodiante da realidade vista, em vez de buscar uma transformação necessária e eficaz.
“Fazer teatro infantil é o mesmo que fazer teatro para adultos: só que é mais difícil”. Pirandello
Falta de informação também, muitas vezes, dos próprios realizadores. Pois, nos grandes centros, infelizmente, continua sendo degrau de ascensão ou de queda em relação ao teatro adulto, reunindo os que nele experimentarem forças ou se testam e os que, incentivados pelas condições de nossa realidade, julgam-no mais fácil ou mais rendoso, como já me explicou alguém, justificando seu menor custo (?…) e maior “facilidade” (?…) de montagem. E no interior fica a cargo de grupos semi- profissionais e amadores que nem sempre conseguem suprir apenas com inventividade esforço e falta de orientação técnica e artística e de recursos para suas montagens Mas estas constatações se tornariam inúteis se não houvesse, pelo menos da parte de alguns, o impulso de buscar os caminhos e possibilidades de transformação.
Foi com essa finalidade que propusemos, no decorrer da coordenação dos debates do Seminário, a formação de um pequeno grupo que buscasse, através de sugestões e programação de educações, encaminhar à prática a mudança desejada.
A síntese de suas conclusões e sugestões é o que se segue:
1. – Em relação a TEXTOS
Considerando, quase unanimemente, o problema fundamental: o diretor que não escreve o próprio texto já tem de saída uma dificuldade enorme de encontrar bons textos com possibilidade de produções aceitáveis.
1.1 – O estímulo à criação e descoberta de novos textos torna-se, pois, vital, para o teatro infantil: além dos concursos oficiais (o da Fundação Guaíra, por exemplo, destacou 10 finalistas em 106 inscritos e publicará 5 – com a garantia de seleção de um júri de 6 elementos de alto gabarito) .
A realização de seminários de leitura, em vários locais, pode contribuir não só para o autor ouvir e ver criticado seu texto, como também para o grupo ter um pré-teste de montagem. Os critérios de seleção podem variar: dos finalistas dos concursos à indicação dos próprios grupos (sugestão de Adamastor Camará) que se encarregariam também da leitura e coordenação dos debates, nos quais os críticos em geral e elementos atuantes em teatro infantil seriam excelentes colaboradores.
1.2. Para suprimir as deficiências de informação e comunicação, duas possibilidades existem, e a recente Federação Nacional de Teatro Amador pode ser a estrutura adequada a seu funcionamento:
– criando um boletim ou outro meio de comunicação e informação periódica;
– estimulando, por esse meio, a divulgação e a troca do material existente.
Uma pergunta que ficou no ar: o atual Banco de Peças do SNT terá condições de fornecer textos de teatro infantil? A partir de quando e como?
2. Em relação à MONTAGEM
2.1 – Auxiliar as montagens e preparação dos grupos através de cursos periódicos e contínuos. Excelente, o esquema proposto por Ilo Krugli a partir de suas experiências em Mato Grosso: o professor ou orientador passa 2 ou 3 semanas no local dando um curso para professores das escolas e amadores. Na ocasião, orienta o grupo que queria realizar um trabalho, discutindo com ele e orientando as bases de sua montagem. Dois ou três meses depois, o mesmo professor retorna por mais uma semana – de arremate ou acabamento do trabalho realizado – que deve igualmente como avaliação, na prática, do estímulo inicial e da própria capacidade do grupo.
2.2 – Apoiar e divulgar os melhores trabalhos: amplamente discutida a validade de grandes festivais nacionais. A hipótese de pequenos festivais regionais periódicos, permitindo avaliação e intercâmbio permanentes de trabalho teve a unanimidade dos votos.
A forma de organização dos mesmos também recebeu várias sugestões:
– avaliação pública dos trabalhos – com o debate coordenado por um grupo (ou “júri”) de outro gênero, com a preocupação crítica construtiva e de orientar de modo a impedir o comentário negativo ou demolidor.
– organização de oficinas de trabalho, isto é, não apenas de cursos técnicos, mas deprática teatral capaz de aproveitar a presença de diretores, iluminadores etc. convidados para o Festival e dinamizar e orientar o teatro dos grupos participantes.
– avaliação com as próprias crianças (por meio de desenhos, relatos etc. dos participantes de um grupo-teste formado para tal) para benefício dos próprios encenadores.
3. Em relação à INFRAESTRUTURA
3.1 – O problema da casa de espetáculo não subordinada ao esquema do teatro adulto (Rio e S. Paulo, sobretudo), sem comentários além dos acima.
3.2 – A necessidade de criação de associações como a Associação de Teatro Infantil da Guanabara) para reunir os grupos, dar-lhes possibilidades de ação sobre a realidade, quer nas reivindicações junto a órgãos oficiais, imprensa etc, quer no intercâmbio de companhias e experiências.
A ideia de um projeto Cultura-Educação, abrindo as escolas particulares e oficiais ao espetáculo infantil foi apresentada e discutida em detalhes. Só viável, no entanto, mediante auxílio oficial, ou aquela associação atuante capaz de obter a influência desejada e necessária junto às escolas.
As sugestões, portanto, aí ficam.
Fica, igualmente, a pergunta: dadas as ideias, vamos levá-las ã prática, ou ficar, como os ratos em sua assembleia, diante do desafio: E QUEM VAI POR O GUISO NO PESCOÇO DO GATO?
Pois essa prática não é trabalho de um só, ou de poucos. Só será capaz de levar a mudança se vier a ser, realmente, assumida como tarefa conjunta, DE TODOS NÓS.
Maria Helena Kühner
Dramaturga e ensaísta. Autora, entre outras obras, de Teatro em Tempo de Síntese, Teatro Popular uma Experiência e A Menina que Buscava o Sol.
Obs.
Este texto foi retirado da edição especial da Revista de Teatro da SBAT, referente ao Seminário de Teatro Infantil de 1975, organizado pelo antigo Serviço Nacional de Teatro, do MEC, realizado no Auditório Salvador de Ferrante da Fundação Teatro Guairá, em Curitiba, no período de 3 a 7 de fevereiro de 1975.
Fazem também parte desta Revista os seguintes textos:
Apresentação do Seminário de Teatro Infantil – 1975, de Orlando Miranda de Carvalho e Beatriz Veiga
A Criança e a Linguagem Televisual, de José Renato Monteiro
A Coragem de Fazer Teatro Infantil, de Maria Helena Kühner
A Propósito de um Concurso de Textos para Teatro Infantil, de Oscar Von Pfull
Desenvolvimento da Linguagem Teatral da Criança, de Helena Barcelos
Possibilidades do Teatro como Processo Educativo, de José Antônio Domingues
Observação Pessoal sobre o Julgamento de Textos para Teatro Infantil, de Zuleika Mello
O Mundo Subjetivo da Criança e sua Interação com o Teatro, de Monica Laport
Realidade Atual do Teatro Infantil no Estado da Guanabara, de Ana Maria Machado
Teatro, Educação Tridimensional, de Joana Lopes