Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 07.06.1998

 

Barra

Mentirinha bem agradável

Histórias de pescadores quase sempre causam desconfianças. Dentre os mentirosos legendários, esses simpáticos contadores de causos se destacam pelo inventivo enredo das suas façanhas. O alvo mais comum é algum ouvinte incauto que se deixa enganar pelo sabor de aventura. A peça é um desses casos de “imitação da vida”, aonde a boa mentirinha sempre chega melhor do que a realidade sem graça. E nesse caso, o exagero é bem-vindo.

Com o espírito desses naturais contadores de história, Guilherme Guaral, o autor de Conversa de Pescador, peça em cartaz no Teatro Dina Sfat, do Centro Cultural Cândido Mendes, traz ao palco um espetáculo de texto saboroso, cheio de referencias ao exagero das histórias contadas à beira-mar, pontuadas por interferências de figuras da mitologia e da religião popular.

Na trama, Totonho é um pescador que, mesmo antes de sair de casa, já promete à mulher que vai pescar o maior peixe do mundo para o almoço. Munido de caniço, samburá “branquinha” e papagaio, o pescador proseia mais do que pega no pesado.

Ao sabor das ondas, acaba se metendo em diversas situações de perigo e muita ação. Ação, às vezes desperdiçada, pois o melhor do espetáculo é mesmo a história contada. É esta que, sem dúvida nenhuma, prende a atenção do público.

Guaral, protagonizando seu próprio texto, se revela um ator/contador cheio de recursos cênicos que empresta ao tipo criado o tom exato dos tragicômicos. O ator, numa de suas melhores composições, está muito a vontade no palco, com personagem que cativa a plateia instantaneamente. Contracenando com ele, Dayse Pozzato é convincente como a mulher do pescador e, naturalmente, caricata como os demais personagens. Édio Nunes acompanha bem a trama no papagaio Ludovico, em situação de apoio, sem compor na história a figura do “bichinho do teatro”. O mérito aí vai para a diretora Andréa Dantas, que mediou talentos sem suprimir o que de melhor tinha o texto: a história contada.

Mesmo cercando o espetáculo de elementos bem atraentes, como os cenários de Marcus Arruzzo – que preenchem o palco com uma enorme rede azul que se transforma em mar e onda ao sabor da ação – e a iluminação de Paulo César Medeiros- que dá o clima da narrativa – ou ainda a música ao vivo – usada não como um elemento de apoio, mas como parte integrante da cena -, Andréa centrou suas forças no trabalho do ator, numa regência afinadíssima. Assim, o que poderia ter-se tornado um show de performance isolada, sem dúvida o caminho mais comum a ser seguido, está calculadamente dosado em cena. O melhor da estratégia, no entanto, não foi apagar a figura do protagonista, mas iluminar também os outros personagens. Para quem pensa que é fácil, o conselho é tentar. Não necessariamente no paco, mas na vida.

Conversa de Pescador subverte o tom intimista e decola como espetáculo popular que já tem plateia cativa a repetir o texto nas últimas filas. Como mais uma atração, a direção musical de Marco Aurê põe ao vivo em cena, além dele mesmo na flauta e no violão. Fátima Rodrigues no acordeom e Paulinho Baqueta na percussão. A conversa musical pontua a ação, com deliciosas vinhetas. Para cada mentira contada, um toque. A plateia, satisfeita, acompanha o ritmo até o aplauso final.

Cotação: 2 estrelas (Bom)