Crítica publicada no Site Pecinha é a Vovozinha
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 01.08.2018
Um espetáculo irrepreensível sobre o verme do ciúme
Tudo o que se possa escrever sobre Contos Partidos de Amor será insuficiente diante de tamanho talento e competência de todas as pessoas envolvidas.
Uma peça que se dispõe a falar do árido tema do ciúme para o público mirim? E usando o universo literário de Machado de Assis? Sim, essa ousadia leva o nome de Contos Partidos de Amor e estreou no início do ano no Rio de Janeiro, chegando há pouco para uma temporada em São Paulo. A direção é de Duda Maia, a mesma da premiadíssima A Gaiola, que tinha texto adaptado de Adriana Falcão. Desta vez, para falar de ciúme, o texto é de Eduardo Rios. E que senhor texto! Magnífico. Fui conferir e saí em estado de graça. Você e sua família não podem perder. Contos Partidos de Amor renova e atualiza tudo o que se convencionou chamar no Brasil de “teatro infantil”.
Trata-se de espetáculo corajoso, que ousa ser teatro dos bons, independentemente do horário em que é encenado. Não me lembro de já ter visto no horário noturno (das peças ditas ‘adultas’) um espetáculo tão redondo, agudo, poético e certeiro sobre o ciúme. Ousa lançar mão de uma temática forte, complicada até mesmo para os adultos. Ousa carregar nas metáforas e nos jogos de palavras, sem medo de ficar ‘cabeça’ demais para as crianças. Ousa utilizar a coreografia e a expressão corporal do elenco como ferramentas eloquentes de linguagem, que auxiliam na compreensão da história que se propõe a contar (isso tem tudo a ver com a formação de bailarina da diretora!). Ousa brincar com os nomes dos personagens. Ousa nas letras elaboradíssimas das canções, que fogem do padrão tatibitate das trilhas infantilóides comerciais. Ousa, ousa, ousa… do começo ao fim.
E acerta em tudo. É riquíssimo o ‘prólogo’ em que os atores escolhem nomes para seus personagens, baseados em uma discussão sobre o uso de pronomes. É incrível! E é também genial usar, na primeira e principal canção, os versos do poema de Machado (O Verme) como inspiração para a letra (a inesquecível trilha sonora original é assinada com muito talento por Ricco Viana). Quer metáfora mais certeira para falar do ciúme do que o verso: “Corre flor, que o verme se aproxima…”? Só este verso já dá para os professores conversarem por uma aula inteira com seus alunos sobre figuras de linguagem. Mas o texto todo de Eduardo Rios é assim, rico em imagens, em simbologias, em sugestões, em estilo, fugindo do fácil e dos clichês. Um primor.
Você também não vai acreditar no nível de criatividade atingido pelos figurinos de Kika Lopes, sempre mestra em tudo o que faz. Sem receio de chocar, por ser espetáculo prioritariamente voltado para crianças, ela se inspirou nas roupas íntimas usadas no século 19, resultando em releituras divertidas e leves. Repare nos bolsos de cada peça, de onde os atores retiram corações de pano, que mudam de cor dependendo do estágio do, digamos assim, romance que estão vivendo. É sensacional. As crianças se ligam de imediato nesse jogo de corações e entendem as convenções das cores até mais rapidamente do que os próprios adultos.
O cenógrafo Diogo Monteiro criou uma linda instalação, formada por dezenas de balões inflados, revestidos de tule e com aplicações de fuxicos em tons de vermelho e vinho. Remete, com muito bom gosto, aos símbolos todos do romantismo mais desbragado. Quanto ao elenco, bem, elogios serão insuficientes para tamanho nível de adesão e participação no espetáculo. Diego de Abreu, Isadora Medella, Luciana Balby e Tiago Herz cantam, dançam, interpretam, declamam, brincam, sofrem, amam, tocam instrumentos e, na verdade, são intérpretes-criadores, pois participaram do processo de criação da montagem trazendo colaborações para as histórias de amor e ciúme que compõem a peça. Um quarteto irrepreensível, como toda a peça também é. Irrepreensível. Não deixe de ver.
Serviço
Local: Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB – SP)
Endereço: Rua Álvares Penteado, 112 – Centro, SP
Telefone: (11) 3113-3651
Capacidade: 140 lugares
Quando: Sextas às 11h e sábados às 11h e 15h
Duração: 50 min.
Classificação indicativa: Livre
Recomendação etária: 6 anos
Ingressos: R$ 20,00 (inteira) e R$ 10,00 (meia)
Temporada: 29 de junho a 18 de agosto de 2018