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Apesar das imensas dificuldades que se levantam contra o universo artístico na formação e produção de espetáculos para o público infanto-juvenil, o teatro para estas duas faixas etárias tem evoluído bastante desde os anos cinquenta até os dias atuais.

Por volta da metade do século XX, surgem as primeiras escolas formadoras de mão de obra para o teatro, Escola de Arte Dramática de São Paulo, em 1948 – período Alfredo Mesquita; Escola de Teatro da UFBA, em 1956; o Curso de Teatro da UFPA, em 1962; Escola de Teatro Fefieg no Rio de Janeiro, então Estado da Guanabara, em 1969. Quase todas tinham como propósito a formação de intérpretes; parece que a única exceção era a Escola de Arte  Dramática de São Paulo, que também preparava diretores.

Até então, os atores se formavam nas “tábuas”, aprendendo, na prática, com os colegas de elenco, técnicas de atuação. Sem maiores referências técnicas teóricas e práticas, muitos deles adquiriam os conhecidos “vícios de interpretação”, que levavam para suas personagens no teatro adulto. Por outro lado, são inúmeros os casos de atores que abandonaram a carreira por não estarem preparados para viverem personagens mais complexos. Daquela época aos dias atuais, o nível profissional de nossos atores foi-se aperfeiçoando por conta de diversos fatores, dentre os quais se destacam as oficinas  e os laboratórios, que companhias teatrais propiciavam aos elencos; e, posteriormente, a formação nas instituições especializadas.

Na dramaturgia, igual progresso se constatou. Autores novos viram seus espetáculos estrearem, com grande aceitação do público: o foco das encenações foi paulatinamente sendo transferido do universo estrangeiro para o patrimônio cultural brasileiro. É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal maneira que num dado momento a tua fala seja a tua prática, orientava Paulo Freire. Parece que esta lição tinha sido, finalmente, aproveitada pelo teatro brasileiro.

No domínio infanto-juvenil, tal visão ganhou igualmente território. Montagens, baseadas em adaptações para o teatro dos “causos” de Monteiro Lobato e na de outros escritores, em peças tratando do folclore nacional e em temas da cultura brasileira, começaram a dividir palcos com as histórias dos irmãos Grimm, Charles Perrault, Lewis Carrol e Hans Christian Andersen.  As personagens da dramaturgia alienígena passaram a conviver, em cena, com índios, caboclos, tipos urbanos e do interior. A realidade do país tornou-se um dos temas principais da ficção infanto-juvenil: nossa fala pôs em prática vivências regionais desta imensa civilização. Uma nova proposta estética surgiu nos palcos brasileiros, com espetáculos desprovidos das mensagens moralizadoras, própria dos textos clássicos. Émile Durkheim, 1958-1917, sociólogo, psicólogo e filósofo francês advertia que tanto a sociologia quanto a ficção deveriam ocupar-se da apreensão e do estudo das realidades sociais dos indivíduos, utilizando-se, para tanto, do método científico e da observação empírica. Nossos estudiosos, talvez, sem a lúcida consciência da recomendação, acertaram em novos rumos para criação dramatúrgica e cênica, jogando com conteúdos autóctones.

Em meio a esses avanços, deve-se destacar a imensa contribuição que a psicologia infantil vem dando à ficção em geral. Hoje dispomos de fantásticas reflexões sobre a criança-indivíduo, de conceitos tais como o de que a magia e infância caminham lado a lado e o de que “a infância é o lugar da experiência, estando, portanto, em toda existência do homem: não pode ser algo cronologicamente anterior à linguagem, cessando de existir para versar-se na palavra”.

Nestas brevíssimas considerações sobre a história do teatro brasileiro para a infância e juventude, deve-se salientar a tendência do abrandamento das fronteiras entre espetáculo para públicos de idades diferentes. Clive Staples Lewis, autor de Crônicas de Nárnia, observa que aqueles que são censurados quando velhos por lerem livros de crianças também eram censurados quando crianças por lerem livros escritos para mais velhos. Nenhum leitor que se preze avança obedientemente de acordo com um cronograma.

Não se está aqui defendendo a suspensão das fronteiras entre faixas etárias. Sugere-se uma postura menos rígida na classificação de obras para públicos de idades distintas.

Da década de sessenta do século passado marco inicial destas considerações, até os nossos dias, muitas conceituações sobre a arte da encenação apareceram no horizonte, contribuindo para mudanças da cena e do gosto do público. São quase quatro gerações de criadores e espectadores a se inspirarem em novas pesquisas e realizações. No Brasil, apesar das persistentes dificuldades já tão conhecidas nas áreas da cultura e da educação, não se pode negar a imensa transformação por que passou o panorama teatral, tanto adulto quanto infanto-juvenil.

Muitas questões permanecem pouco discutidas. Tome-se como exemplo a crítica feita por certos estudiosos mais afoitos aos enredos tradicionais de teatro para crianças e jovens, por conterem lições de moral. Na verdade, este ponto de vista questiona a característica educativa do próprio teatro. Ele não está apenas recusando uma estética, mas, sobretudo, negando um dos fundamentos da arte teatral: a que visa a integração do indivíduo à família e à sociedade, tornando-o consciente e responsável. Portanto, esta questão está simultaneamente vinculada ao universo artístico e educacional.

De uma maneira geral, faltam argumentações mais lúcidas sobre os diversos aspectos aparentemente contestadores dos projetos modernosos de encenação, estabelecendo falsas rupturas entre o clássico e o contemporâneo.

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Bibliografia

AGAMBEN, Giorgio. Infância e história: destruição da experiência e origem da história. Belo Horizonte: editora UFMG, 2005;

AMARANTE, Dirce Waltrick do. As Antenas do Caracol. São Paulo: Iluminuras, 2012;

BAUMAN, Zygmunt. Sobre educação e juventude. Rio de Janeiro: Zahar, 2013;

BENJAMIN, Walter. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. São Paulo: Editora Duas Cidades; Editora 34, 2009;

DURKHEIM, Émile. Educação e Sociologia. São Paulo: Hedra, 2010;

LEWIS, C.S. As crônicas de Nárnia. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

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Obs.
Texto retirado da Revista FENATIB, referente ao 19º Festival Nacional de Teatro Infantil de Blumenau (2015)