Josephine Helene: Seu Sol, Dona Lua

Matéria publicada no Jornal O Dia
Por Armindo Blanco – Rio de Janeiro – 17/18.09.1978

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Comentário: Revolução no Teatro Infantil

De repente, o teatro infantil explode, passe a expressão: o rol de espetáculos em oferta, aos sábados e domingos, vai a mais de trinta. E a explosão não é apenas quantitativa, mas também qualitativa: há, pelo menos, meia dúzia de espetáculos de excelente nível.

Se acrescentarmos que ao aumento da oferta tem correspondido o crescimento da procura, estaremos completando um quadro que se configura como bastante promissor. E que já está, inclusive, despertando o interesse da Rede Globo, que no momento prepara uma grande promoção destinada a levar “mais de 500 mil crianças ao teatro”, talvez em dezembro próximo.

Desde logo, para o progresso galopante dos índices de frequência ultimamente assinalados, contribuiu bastante a inserção, no circuito infantil, dos dois novos teatros do Shopping Center da Gávea: O Teatro dos Quatro e o Teatro Vanucci, ambos com 400 lugares. Nas últimas semanas, o primeiro com A Revolução dos Patos, texto de Walter Quaglia e música de Chico Buarque, e o segundo com A Fada e o Dragão, de Carlos Lyra, atraíram mais de três mil espectadores, provocando verdadeiros engarrafamentos humanos nos corredores do Shopping. No sábado em que assisti à estreia da fábula escrita e musicada por Carlinhos Lyra, o Teatro Vanucci botava criança pelo ladrão; e o Teatro dos Quatro, como tive ocasião de verificar, não fazia por menos e oferecia a Grande Otelo e seus companheiros uma plateia densa e entusiástica, como nem sempre se encontra no teatro para adultos.

Não vi todos os espetáculos em cartaz. Mas não cometerei injustiça com os demais se, além dos dois já citados, destacar Tá na Hora, Tá na Hora, com o grupo Navegando, Teatro Opinião; Quem Matou o Leão?, de Maria Clara Machado com Sura Berditchevski e outros, Tablado; A Viagem de Um Barquinho, da sempre admirável Sylvia Orthof, com o grupo Casa de Ensaio, Teatro Gláucio Gil; O Mago das Cores, de Rüest e Pato, tradução de Olga Savary, com Dirceu Rabelo e José Roberto Mendes, Teatro Sesc Tijuca; As Bravatas do Professor Tiridá na Usina do Coronel Dejavunda, do mestre Ginó, com o grupo Carroça, Sesc Madureira; Seu Sol, Dona Lua, de Marcos Sá, músicas de Eduardo Souto Neto, com a esfuziante Joséphine Helene e outros, Teatro Casa Grande.

Nestes espetáculos, a criatividade dos textos se alia ao apuro das montagens e à boa adequação dos elencos. O teatro para crianças, dada a exiguidade dos espetáculos, normalmente dois, nos fins de semana, e o preço módico dos ingressos, não permite grandes investimentos, nem contratações ressonantes.

Mas já há quem esteja arriscando quase em nível de teatrão, como é o caso do produtor Rodrigo Farias, que investiu mais de Cr$ 100 mil na montagem de A Revolução dos Patos (a média é de Cr$ 15/20 mil) e reuniu vários nomes de primeira ordem, desde o diretor José Roberto Mendes  ao cenógrafo Tawfik, passando pelo coreógrafo Zdnek Hampl e pelo diretor musical e compositor Burnier, além de um elenco de apoio: Olga Penha, Mira Palheta, Aline Molinaro, Duca Rodrigues, Roque Bittencourt, que acompanha de perto o brilho estrelar de um Otelo particularmente bem disposto, a fantasia hilariante de Alby Ramos, Troféu Mambembe/77 de Melhor Ator de Teatro Infantil  e a cálida ternura com que Ruth de Souza compõe a sua pata/mãe pretinha.

No outro extremo da pirâmide, onde militam os topatudo, ou seja, os que, ao invés de um sadio profissionalismo, preferem viver à sombra dos subsídios e poupar dinheiro concentrando tarefas, destaca-se negativamente o notório Jair Pinheiro, atualmente com três espetáculos em que assina texto, direção e sei lá mais o quê: Cinderela, a Gata Borralheira; João e Maria na Floresta Encantada e Os Três Porquinhos e o Lobo Mau, os dois primeiros no Teatro Teresa Rachel, em horários consecutivos, 16 e 17h, e o último no Teatro de Bolso do Leblon. Jair é o símbolo de um teatro para crianças condenado à extinção pela seleção natural que o mercado acabará operando. Mas, enquanto persiste, convém que os pais fiquem atentos e não exponham seus filhos a essa descarada operação de gato por lebre, que invoca o nome de Walt Disney para faturar em cima de uma candonga deseducativa e baixamente mercantilista.

O importante, porém, é que, de mês para mês, o teatro para crianças vai depurando o seu recado e ampliando o seu quadro de recrutas, empolgando talentos como os de Chico Buarque e Carlos Lyra e suscitando, em artistas de grande projeção como Regina Duarte e Joana Fomm, o desejo, que pode se concretizar ainda este ano, de também subirem ao palco para contar às crianças: “era uma vez…”