Crítica publicada em O Globo – Segundo Caderno
Por Mànya Millen – Rio de Janeiro – 16.11.1996
Coisas do Gato da Velha – Narrativa literária apropriada para crianças maiores
Uma poética metáfora sobre o teatro
Coisas do Gato da Velha, em cartaz no Teatro do Leblon, é mais um texto da escritora Beth Araújo, a mesma autora do poético Balbino e Bento, encenado há alguns anos na Casa de Cultura Laura Alvim. Agora, como no texto anterior, Beth volta a tratar de temas como a memória e o afeto e a direção de Daniel Lobo só ajuda a compor o espetáculo como se ele fosse uma caixinha de lembranças, ideia reforçada inclusive pelo próprio cenário, bastante criativo, do premiado Ronald Teixeira.
Bebel Lobo é Ana, uma jovem escritora, e Adolfo Prado é André, um jovem ator. Ambos se encontram por acaso, cada qual com sua mala. A de Ana, enorme e florida, encerra histórias, lembranças e gente. Dela surgem – mesmo, através de um alçapão no chão do cenário, sobre o qual a mala é estrategicamente depositada – avós prendadas e tias solteironas e casadoiras. Já a maleta de André, embora menor, guarda igualmente muitos desejos. Durante o espetáculo, um vai oferecendo ao outro o que cada um precisa e almeja.
Bebel e André dão a seus personagens a doçura e um certo ar sapeca que ambos pedem, enquanto Carolina Virgüez e Almir Martins compõem os seus tipos (as avós Zinha e Zilá, a tia Leonor e o galanteador Castro e Couto) com mais exagero, até porque ganharam personagens com contornos mais exuberantes e caricatos. Os belos figurinos, assinados também por Ronald Teixeira, traduzem com perfeição cada personagem. O espetáculo conta ainda com dois músicos no palco – Louis André no violino e Fhátima Rodrigues no acordeon – e é, no todo, bastante simpático. Mas agarra em algumas cenas demasiadamente longas, uma falha da direção, e peca, algumas vezes, em passagens excessivamente simbólicas do próprio texto.
Contada como uma metáfora sobre o próprio teatro, às vezes o texto voa mais alto pela poesia e acaba dispersando a plateia mirim. Por isso, esta é uma peça apropriada para quem tem mais de sete ou oito anos. São crianças bem mais acostumadas à narrativa literária, como a da escritora Beth Araújo.