Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Ricardo Schöpke – Rio de Janeiro – 05.06.2010
Mas afinal, que coisas são essas?
Mescla de linguagens e meios, peça baseada em livro de Arnaldo Antunes confunde espectador
O teatro, desde a tragédia grega, é o grande tablado para onde direcionamos as grandes reivindicações da humanidade. Partindo desta premissa, encontra-se atualmente em cartaz no Teatro 2 do CCBB, o espetáculo As Coisas, de Arnaldo Antunes, com direção de Alexandre Boccanera, e realização da Companhia Teatro Portátil. Há cinco anos eles desenvolvem uma pesquisa continuada sobre a linguagem da animação, na aproximação do teatro de formas animadas com outras linguagens como a música, a dança e as artes visuais. Para este novo projeto, a companhia resolveu mergulhar no universo lúdico do multiartista Arnaldo Antunes – através de seu livro As Coisas, ganhador do Prêmio Jabuti de Poesia de 1993 – e convidar também o músico Guilherme Miranda, e o artista visual Ricky Seabra para juntos criarem um espetáculo capaz de estimular os sentidos.
Dito isso, podemos constatar que novas experiências cênicas e intercâmbios de linguagens são e serão sempre bem-vindas ao teatro para as crianças e jovens. Porém, isso não implica que os projetos desenvolvidos dentro desta premissa, possam alcançar um resultado satisfatório.
Mistura pouco clara
Ao entrarmos no teatro vemos um espaço cênico com características claras de um show musical. Microfones, guitarra, teclado, bateria, um pequeno praticável com coisas (objetos) e um interessante e colorido painel (ciclorama) feito por boias de natação. Até aí tudo bem. Ficamos aguardando com ansiedade o show que está por vir, e procurando entender o que são essas “coisas” a que o título se refere. E o que vemos no decorrer do espetáculo é um híbrido de show, teatro de manipulação de bonecos e teatro de manipulação de bonecos e teatro de objetos filmados. Uma mistura geral e pouco clara dos conceitos que a Cia. Desenvolveu para a peça em questão. Por que assumir o formato de um show musical para falar das “coisas”? Apenas porque o autor é músico – apesar de naquele momento estar apenas no papel de poeta? E que coisas são essa? Os instrumentos convencionais, que há muito deixaram de ser “coisas” e respondem por nomes próprios como guitarra, teclado, bateria, baqueta e por aí vai! Talvez essa proposta ficasse mais clara se a direção tivesse optado em fazer um conjunto musical diferenciado ou extraísse som de objetos inusitados / coisas como: tampas de panela, bambus, chaves, metais, instrumentos feitos de objetos recicláveis, e por aí vai…isso sim são coisas.
Sem contar que os cantores / atores ou atores / cantores / manipuladores não possuem um domínio técnico em todas estas áreas de atuação. Guilherme Miranda está mais para músico do que para ator. Seus comentários sobre as histórias contadas são desprovidos de graça e de convicção. O mesmo acontecendo com a intérprete (?) da bateria. A atriz que fica encarregada de fazer as costuras com a contação das histórias, inspiradas na obra do compositor e cantor Arnaldo Antunes, se sai bem apenas como a manipuladora de uma boneca do estilo Muppets show – que responde pelo nome Já. Entretanto, como atriz / cantora ou cantora/atriz, não alcança um resultado satisfatório. O ponto alto do show é realização do teatro de objetos, quando uma das atrizes constrói pequenos contos com pequeninas coisas encontradas na praia – e alguns graciosos animais, como o sapo, o cachorro, o urso – que são filmadas e projetadas simultaneamente em uma tela ao fundo do palco.
A luz de Aurélio de Simoni é correta e acompanha o pisca-pisca óbvio dos movimentos de um show musical. A direção musical de Guilherme Miranda é bastante insatisfatória em riquezas melódicas, arranjos, letras e músicas. O figurino de Ronaldo Fraga se constitui apenas em um monte de tiras de tecidos sobrepostas, que atrapalha ainda mais a pouca movimentação das personagens.
Apesar de vários equívocos na concepção, é muito importante que a Cia. Teatro Portátil continue na sua legítima busca de intercâmbio de linguagens. O teatro brasileiro precisa muito desses estímulos para a sua renovação.