Matéria publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 09.01.2015
Clássicos chegam aos palcos sem a menor categoria
Branca de Neve, Os Três Porquinhos e A Bela e a Fera, no Festival de Férias do Teatro Folha, comprometem o alto nível já atingido pelo teatro infantil paulistano
Começou nesta semana, como foi noticiado neste site da Crescer, mais um Festival de Férias do Teatro Folha, no Shopping Pátio Higienópolis, em São Paulo. Já é a 22ª edição. Das sete peças infantis programadas para este mês de janeiro (uma por dia), eu já tinha visto quatro. Fui ver as outras três e agora já estou apto a escrever criticamente sobre a programação completa. A equipe da empresa Conteúdo Teatral, com direção artística de Isser Korik, é a responsável por este verdadeiro achado teatral na programação de férias das famílias paulistanas.
Fiquei incrivelmente impressionado com o público: todas as sessões lotadas, abarrotadas de pais, mães, tias, tios, avós, avôs e muitas, muitas babás – com suas crianças em férias. Uma mina de ouro na bilheteria. E olha que não é qualquer teatrinho: o Teatro Folha tem capacidade para 305 pessoas. É a prova de que, entre a classe média alta, ou simplesmente ‘burguesia paulistana’, existe mesmo um público muito ávido por programações artísticas que ocupem as férias das crianças que não viajaram. E isso é lindo de constatar. Palmas para o Festival. Ajuda muito todo esse sucesso o fato de que o esperto programador, Isser Korik, parece dar prioridade total para espetáculos baseados nos clássicos contos infantis, que jamais deixarão de ter seu público cativo, não importa se as montagens sejam boas ou meramente oportunistas. Pena que, desta vez, a programação esteja tão irregular, com ótimas opções e outras bem amadoras.
Vejamos:
Sábados e domingos às 16 horas: Cinderela, com direção do próprio Isser Korik, curador do festival. Já escrevi aqui sobre esta peça. É bem divertida. Apenas um casal de atores faz todos os 12 personagens.
Sábados e domingos às 17h40: Pedro e o Lobo, da obra de Prokofiev, com direção e adaptação de Fernando Anhê e direção musical do maestro Jamil Maluf, a cargo da Cia. Imago, que participa sempre desse festival. A peça é antiga no calendário paulistano e recorrente no repertório do grupo. Ideal para iniciação musical das crianças. Ótima técnica de animação com luz negra, dando um efeito visual impactante. Boa pedida para quem ainda não viu.
Segundas às 16h: Branca de Neve e os Sete Anões, da Cia Galhofas e Dramas, com texto e direção de Pedro Molfi. A peça mais fraca da programação. Os atores são péssimos, muito mal dirigidos. Playback ruim, com canções pobres e de letras sem graça. Em uma das canções, a atriz que faz a Branca (Sheila Nogueira) mexia descaradamente a boca sem saber a letra. Iluminação pífia, falhando o tempo todo, assim como a sonoplastia. Cenografia paupérrima, como se fosse um espetáculo improvisado de fim de ano de colégio. A casa dos anões fica em cena desde o começo da peça, sem explicação. Figurinos sem capricho nem criatividade. Cópia de clichês do vestuário dos contos infantis e reprodução descarada do filme da Disney. O biombo com o horrível espelho mágico é puxado pra fora e pra dentro de cena numa morosidade que emperra todo o ritmo. Há tempos eu não via um espetáculo tão amador sendo tratado como se fosse profissional. Há tempos, também, o teatro infantil paulistano deixou essa fase e cresceu, mas parece que Pedro Molfi ainda não sabe disso. Sugiro que ele veja mais espetáculos durante este ano, para estabelecer parâmetros melhores e fugir desse estágio ruim em que seu grupo se encontra. A única ideia diferente desta montagem (mal realizada, porém) é que, a certa altura, o palco se enche de crianças da plateia, que viram margaridinhas, coelhinhos, gatinhos, borboletinhas e, claro, os sete anões. Os atores emprestam máscaras e cabeças de bonecos e as crianças ficam no palco durante mais da metade do espetáculo. Isso fascina os pais, que tiram fotos o tempo todo com seus celulares e saem do teatro achando que proporcionaram um grande evento teatral para suas crianças. Teatro não é isso.
Terças às 16h: Os Três Porquinhos, adaptação de Vânia Bastian e direção geral de Iraci Batista e Marco Bueno. Também muito fraco, mas um pouco melhor do que o anterior, porque tem algumas boas sacadas de humor no texto, como chamar o ipod de iporco e outras brincadeiras relativas aos personagens suínos. Mas a cenografia é inacreditavelmente de mau gosto, pobre de recursos e de criatividade. Também parece montagem ruim de escola primária. As canções não empolgam, com suas letras piegas até mais não poder. A participação da plateia é naquela base irritante de perguntas como “Pra onde ele foi? Para lá ou para cá?”. O grupo não consegue mais do que isso. Esses amadores também precisam ver mais peças e constatar o nível alto do teatro infantil paulistano, para tirarem esses porquinhos do ar de uma vez por todas e aprenderem como se faz bom teatro. No final, os atores recrutam quatro pais da plateia para ajudarem a carregar o lobo morto até a coxia. Puxa, quanta falta de criatividade. Mas, claro, como todas as crianças conhecem a história de cabo a rabo, sai todo mundo feliz da plateia, achando que passaram uma tarde no teatro. Repito: teatro não é isso.
Quartas às 16h: Cinco Semanas em um Balão, do grupo Sabre de Luz, com direção e adaptação de Joyce Salomão. Também já escrevi aqui sobre essa peça mediana
Quintas às 16h: A Bela e a Fera, com adaptação de Cristiane Marques e direção geral de Edu Rodrigues. Outra turma bastante equivocada e oportunista. Outra peça ruim. Outra cópia descarada e pobre do filme da Disney, que segue o mesmo roteiro e os mesmos personagens coadjuvantes. Canções sem vida, direção sem personalidade, atores sem expressão. Cenografia feita de painéis de extremo mau gosto. Enganação melosa, com ritmo ralentado. Amadorismo que já deveria estar de fora dos palcos há muito tempo. Nossas crianças merecem o mínimo de rigor estético e artístico – mas, claro, os pais é que não têm esse senso e aplaudem o espetáculo com entusiasmo, iludindo os realizadores com essa falsa ideia de aprovação e sucesso. Enquanto prestigiarmos (e recrutarmos para festivais) essas montagens aviltantes à qualidade atual da arte teatral, elas continuarão a se espalhar como praga.
Sexta às 16h: Rapunzel, da Cia Le Plat du Jour. A melhor peça da programação. Criatividade, talento, inovação, renovação – tudo o que as diretoras Carla Candiotto e Alexandra Golik sabem fazer muito bem. Não deixe de ver. Já escrevi aqui.
Serviço
Teatro Folha
Shopping Pátio Higienópolis. Av. Higienópolis, 618, terraço
Tel. 11 3823-2323
Ingressos a R$ 30,00 (inteira)
Todas as tardes
Até 1º de fevereiro