Crítica publicada no Jornal do Brasil
por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 12.09.2004
Afinal, brincar é simples
Ciranda, em cartaz no SESI, leva ao palco situações do cotidiano através da dança e da música
Ciranda, em cartaz no Teatro SESI, é um espetáculo dirigido para crianças a partir de 3 anos. Trata.se de uma proposta de teatro-dança que raramente se vê nos palcos, sobretudo em trabalhos voltados para o público nessa faixa etária. E é justamente este o maior trunfo de Ciranda, o seu público-alvo, que, além de curtir as brincadeiras em cena, se identifica com elas.
Ciranda não é uma coletânea de cantigas de roda, como o nome pode sugerir. Dança, música e movimentos contemporâneos constroem o espetáculo, com a finalidade de que se estabeleçam jogos. Brincadeiras e diversões comuns ao cotidiano infantil, como por exemplo uma ida à praia, são postas em cena sob a ótica da criança.
A concepção e a direção do espetáculo são de Andréa Elias, atriz-bailarina que utiliza também a linguagem do circo. Andréa se preocupa antes de tudo com a energia e com o jogo, mas a forma também é bem trabalhada.
Sapatos, bolas, panelas e colheres são usados em cena
Apesar de seu cuidado, porém, os desenhos cênicos poderiam ser ainda melhor delineados, se houvesse um diretor com um olhar de fora da cena.
Com forte presença cênica, os atores Andréa Elias e Tiago Quites se divertem no palco – o que é fundamental para a comunicação com o público -, demonstrando habilidade suficiente para executar a proposta do trabalho. É interessante notar que a dança, principalmente aliada ao teatro, pouco espaço tem tido nas criações para o público infantil.
A excelente trilha sonora, que inclui músicas que vão de Hermeto Pascoal a Arnaldo Antunes, acaba se tornando elemento fundamental no espetáculo, já que ajuda a conduzir o fio narrativo, facilitando o entendimento do que é “contado” no palco praticamente sem texto nenhum.
No entanto, não se pode dizer que Ciranda seja um espetáculo totalmente acabado. As cenas não esgotam as situações do cotidiano a que se referem, não chegam ao final da proposição inicial e, por isso, a emoção suscitada também não se esgota. Desse modo, a cena termina e fica uma sensação de que ela foi interrompida antes do tempo. Ao final, o que se tem é um esboço incompleto de narrativa.
Há também cenas pouco exploradas, como a do sapateado, que parte de uma excelente ideia – a manipulação dos sapatos com as mãos -, mas não se realiza totalmente. Ou ainda a da brincadeira de estátua, em que Tiago Quites, dono de excepcional energia, perde uma ótima oportunidade de jogo com a plateia por falta de um trabalho de dramaturgia que conduza melhor a ação.
Não há diálogos e sim palavras soltas, sons, risos
Os elementos do cotidiano – sapatos, bolas, panelas, colheres – são achados que trazem o dia-a-dia da criança para o palco. Afinal, brincar é simples. O espetáculo mostra esta simplicidade, sem deixar de revelar que há por trás uma inteligência dramatúrgica, ainda que frágil, a sustenta-lo. Mas o principal é que os pequeninos se divertem, brincam na plateia, interagem espontaneamente com os atores, sem serem excitados, e com a brincadeira em cena.
O cenário e os figurinos de Gabriela Bardy e Joana Lavalle são coloridos e básicos. Um baú repousa sobre um piso lembrando um tabuleiro de jogo, iluminado pela sempre eficiente luz de Djalma Amaral. De dentro do baú, tudo pode surgir e esta é uma Imagem recorrente que funciona porque é bem trabalhada plasticamente.
A comunicação entre os personagens não se dá por diálogos convencionais e sim por palavras soltas, sons, sinais, risos, enfim, por cumplicidade, o que acaba se estendendo à plateia. Assim o espetáculo consegue resgatar, com uma linguagem própria dos pequenos, a sua alegria característica.