Crítica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 05.12.2014

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O dia em que Cinderela tentou virar Irma Vap

Isser Korik reconta a clássica fábula com um texto divertido e atual e apenas um casal de atores fazendo todos os 12 personagens

Você pode pensar: outra Cinderela???!!! Mas qual o problema? Os contos de fadas precisam ser montados sempre no teatro, pois sua força simbólica e sua oferta de significados em muitos níveis enriquece a existência da criança de diversos modos. O poder transformador da estrutura fabular contribui para o amadurecimento, para o crescimento, para a descoberta do mundo. E, afinal, é próprio do teatro estimular a fantasia, a imaginação. Mas, claro, tem de ser bem feito, sem aqueles oportunismos irritantes e amadorismos latentes.

Ainda que seja uma produção apenas mediana, a versão em cartaz em São Paulo, no Teatro Folha, é instigante, atraente, diferente. O diretor, cenógrafo e iluminador do espetáculo, Isser Korik, põe apenas dois atores em cena, um casal, para fazer todos os 12 personagens da clássica história da borralheira. Ian Soffredini e Michelle Zampieri têm de dar conta de muitas trocas de roupa durante a peça, o que faz lembrar um clássico do teatro paulistano dos anos 80, O Mistério de Irma Vap, com Marco Nanini e Ney Latorraca.

Figurinos e adereços são assinados por Inês Sacay, que cuidou para que nada fosse complicado ou excessivo, de tal modo que as trocas não prejudicassem o ritmo do espetáculo. Talvez por isso, por terem de jogar a favor da agilidade cênica, não há nada de muito especial na criação da cenografia nem nos figurinos. Não há arroubos de criatividade nesses dois quesitos tão importantes. O grande lance de prestigiar esta Cinderela com sua família é mesmo a proposta de recontar toda a trama apenas com dois atores, fazendo com que o público mirim descubra o poder ilimitado das artes cênicas e a arte de se compor um personagem. Isso é o melhor de tudo, pois aguça a curiosidade dos pequenos, como se fosse uma aula divertida de iniciação teatral.

“A ênfase na composição dos atores para cada personagem e sua preparação técnica é a chave do espetáculo. Ter apenas dois atores em cena é dinâmico. Isso desperta a curiosidade das crianças”, explica Isser. De fato, essa é mesmo a chave mais atraente para se gostar dessa versão de Cinderela, porém tudo é quase correto. Faltou o “algo mais”. Ou seja: não há um assombro de agilidade dos atores, algo que nos deixe surpresos, como ocorria com a precisão de Irma Vap, em que não se supunha como o ator conseguia sair e voltar de cena tão rapidamente e com tudo trocado. Aqui não. A proposta é a mesma, entretanto há alguns ‘buracos’ em cena, ainda que as projeções em telão e a trilha sonora ajudem bastante nesses momentos de transição dos personagens. Muitas cenas foram previamente gravadas e são exibidas no cenário virtual.

Mas mesmo com essas limitações e dificuldades, a Cinderela de Isser Korik é uma atração muito divertida – e sobretudo pelo texto. A linguagem é modernosa, caricata na medida certa, e reproduz o atual jeito de falar dos adolescentes, o que resulta em boas risadas da plateia, cativando também os adultos para um humor mais popular e empático. Os dois atores são muito engraçados, fazem trejeitos hilários. Ambos embarcaram com afinco na linguagem corporal e nas alternâncias de vozes.  É ótima a ideia do final da peça, em que todos os 12 personagens aparecem para receber aplausos, mas em gravações prévias e exibição das imagens no telão. Depois desse desfile virtual, surgem os dois atores em carne e osso, sem nenhum figurino ou maquiagem, revelando-se inteiros às crianças, que, com certeza, vão para casa intrigados e encantados com o poder do teatro. Vida longa para esta divertida e instrutiva Cinderela. Vamos lá bater palmas?

Serviço

Teatro Folha
Shopping Pátio Higienópolis – Av. Higienópolis, 618 / Terraço
Tel.: (11) 3823-2323
Sábados e domingos, às 16h
R$ 25,00 (inteira)
Até 21 de dezembro