Crítica publicada em O Globo – Segundo Caderno
por Marília Coelho Sampaio – Rio de Janeiro – 24.01.2004
A Cigarra e a Formiga: Montagem de Beto Brown para adaptação de Denise Crispum está em cartaz no Teatro Maria Clara Machado/Planetário
Fábula de La Fontaine chega ao século XXI
Como conviver com as diferenças? Volta e meia esse tema vem à tona no teatro infantil, seja em textos modernos ou através da atuação de antigas fábulas, como no caso da adaptação de Denise Crispun para A Cigarra e a Formiga, de La Fontaine. A peça, em cartaz sábados e domingos, às 17h, no Teatro Maria Clara Machado/Planetário da Gávea, é estrelada pela atriz Josie Antello, que vive três personagens na história, e dirigida por Beto Brown.
Versão em que formiga e cigarra se entendem
A história da fábula é pra lá de conhecida: era uma vez uma formiguinha muito trabalhadora, que, não poupava esforços durante o verão, armazenando alimentos para o inverno. Enquanto isso, sua vizinha, a cigarra, divertia-se a valer, só pensando em cantar e dançar, sem nenhuma preocupação como futuro.
Se na história original, a cigarra paga um preço muito caro por sua irreverência, a adaptação de Denise Crispun suaviza a rígida moral de La Fontaine, fazendo com que a formiga e a cigarra aprendam, a respeitar as diferenças de personalidade de cada uma e que até tirem proveito delas para promover mudanças em suas próprias vidas. Sem dúvida, uma versão bem mais compatível com as crianças do século XXI.
Se a autora é muito feliz na sua interpretação do texto, talvez tenha se empolgado ao escrever a peça, criando longos textos tanto para a narradora quanto para a personagem da formiga. Por exemplo, os primeiros momentos da peça, em que a atriz preenche o palco apenas com movimentos corporais e expressões faciais, sem nenhuma fala, são ótimos. Logo depois, entra uma fala da narradora que seria totalmente dispensável. Por que não emendar logo a cena dela com a formiga? A primeira fala da formiga, depois de sua coreografia também é muito longa. No meio de tantas palavras, ótimos trechos do texto acabam sendo perdidos pelas crianças. O fato de as três personagens serem vividas por uma só atriz também pode ter reforçado a impressão de que a peça tem muito texto, já que A Cigarra e a Formiga não podem contracenar e muito do que poderia ser vivido no palco acaba sendo contado pela narradora.
Atriz vive três personagens diferentes
Josie Antello, ótima atriz, dá muito bem conta das três personagens, estando irretocável na personagem da formiga. Na verdade, a atriz, além de ter carisma, tem uma enorme facilidade de se comunicar com o público infantil. A maior prova disso é que o espaço reservado para as crianças, bem colado ao palco, começa vazio e acaba praticamente tomado. É que durante o espetáculo as crianças vão deixando a timidez de lado e se aproximando da atriz. Outro fato curioso é que os adultos se divertem muito durante a peça, possivelmente por não perderem nenhuma das boas tiradas do texto. A participação do músico Felipe Antello é muita bem aproveitada na montagem. Além de executar todos os efeitos sonoros ao vivo, com instrumentos de percussão, ele ainda faz pequenas, porém proveitosas, participações como ator.
A parte técnica do espetáculo está muito bem resolvida. A direção de arte de Rui Cortez é cuidadosa, assim como a, iluminação e a sombra chinesa de Djalma Amaral. As aparições da cigarra e da formiga projetadas em pequenas telas no fundo do palco, encantam as crianças. Rui Cortez, também responsável pela criação do cenário, executado por Alcino Gianginotto, resolve com habilidade a distribuição do cenário, encontrando boas soluções para o revezamento da, atriz em três personagens. E os figurinos, também dele, são criativos e divertidos. As músicas de Beto Brown e Andrea Spada funcionam muito bem na peça. O “funk da formiga” é divertidíssimo.
A Cigarra e a Formiga é um trabalho bem realizado por toda a equipe, em especial pelo diretor Beto Brown. Valorizando o texto de Denise Crispun e o talento de Josie Antello, ele cria um espetáculo que contagia o público.