Critica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 19.02.2016
Chapeuzinho sem palavras valoriza a imaginação
Montagem paulistana, a cargo de Eduardo Leão, renova o clássico com força na trilha sonora de André Abujamra
Crianças adoram ir ao teatro para ver encenados os contos clássicos, que fazem parte de seu imaginário desde muito cedo. Muitos artistas se aproveitam disso e produzem montagens oportunistas, preguiçosas, sem criatividade. Felizmente há quem se preocupe com qualidade artística e, de quebra, introduz à trama conhecida algum elemento surpresa, alguma inovação de linguagem, enfim, algo que renove a narrativa e lhe dê um viço revigorante.
É o caso da peça Chapeuzinho Vermelho, em cartaz atualmente no Teatro Folha, com direção de Eduardo Leão. Já vi muitas montagens teatrais desse clássico. Cito, por exemplo, as incríveis versões da Cia. Le Plat du Jour e do grupo gaúcho Mevitevendo (Esses Olhos Tão Grandes). E como eu próprio já escrevi aqui, Chapeuzinho Vermelho nunca sai de moda. Nunca sai da imaginação de crianças e adultos. Volta e meia está no teatro, no cinema, na televisão, retratada de diferentes formas, em adaptações variadíssimas, linguagens múltiplas, abordagens poéticas, lúdicas, psicanalíticas, engraçadas, assustadoras… A personagem é tão rica e complexa que aceita e se presta a muitas intenções.”
Na versão atual do diretor Eduardo Leão, que também assina a dramaturgia, não há texto. As crianças vão compreendendo o que se passa sem a necessidade de palavras. Teatro físico, mímica e linguagem clownesca alternam-se eficientemente, mas a força maior está na trilha sonora. A música, composta especialmente para o espetáculo por André Abujamra, contém citações instrumentais à conhecida “Pela estrada afora, eu vou bem sozinha…” Mas é muito mais do que isso. É a alma do espetáculo. Pontua os climas, sugere situações, valoriza a narrativa. Quando o lobo persegue a vovozinha, por exemplo, entra uma espécie de roque pauleira. Para o divertido caçador, o que se ouve lembra rumba. E assim por diante. Muito “da hora”, como diria a moçada.
Pela ausência de narrativa oral, valorizam-se mais as sugestões do que as explicitações, o que é sensacional no teatro voltado para as crianças. A esse propósito, repito também o que já escrevi em outra ocasião: “Quando é um bom conto de fadas, como Chapeuzinho Vermelho, a narrativa tem vários níveis de interpretação e, assim, só a criança pode saber quais desses valores faz sentido para ela naquele instante de sua vida. Com bem escreveu o teórico Bruno Bettelheim, por isso é que, quando alguém detalha demais os significados da fábula, ela perde o valor para as crianças. Tudo precisa ser apenas sugerido, para que a imaginação do público mirim tenha de trabalhar por si.”
Por falar em imaginação, a montagem traz soluções bem engenhosas para as trocas de personagens pelos atores, já que apenas dois intérpretes (Manuela Figueiredo e Marcelo Diaz) dão conta de cinco personagens. Tudo é feito com muita agilidade. Cito aqui também a maravilhosa cena em que objetos variados vão sendo retirados de dentro da barriga do lobo: roda de bicicleta, sucatas, canos, bonequinhas Peppa Pig e até o contrarregra e a camareira da peça! Hilário. Os adultos também adoram esse momento, o que é fundamental em um espetáculo destinado a toda a família.
Achei a caracterização do lobo bem light, denotando uma preocupação da equipe em não assustar demasiadamente as crianças. O fato de o personagem ser um lobo ilusionista, brincando de fazer alguns números de mágica para enredar a ingênua Chapeuzinho, é uma boa sacada. Destaco também os figurinos de Olinto Malaquias, com estampas florais que remetem agradavelmente a um ambiente caseiro e familiar, como nas alegres roupas de cama ou nas toalhas estendidas no varal. Corra lá pra ver.
Serviço
Teatro Folha. Shopping Pátio Higienópolis
Av. Higienópolis, 618 / Terraço / São Paulo
Tel.: (11) 3823-2323
Sábados e domingos, às 16h
Ingressos: R$25,00 (inteira)
Até 26 de junho