Crítica publicada no Site Pecinha é a Vovozinha
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 16.09.2019

Fotos: Matheu Soriedem

Quando crianças envelhecem ainda meninos

Chão de Pequenos, para jovens de todas as idades, vem de Belo Horizonte para encantar os paulistanos com os temas da adoção, do abandono e da amizade

Muitas vezes é como procurar agulha em palheiro (desculpem a expressão antiga): peças para adolescentes que falem de adolescentes. Felizmente esse quadro tem mudado. Fui instado, pela competente assessoria de imprensa (Canal Aberto, de Márcia Marques), a não perder Chão de Pequenos, que estreou no horário noturno do Sesc Pinheiros, já que vivo de olho nesse tal de “teatro jovem”. Saí da sala em estado de graça. Que espetáculo!

Uma criação coletiva da Companhia Negra de Teatro, de Belo Horizonte, a peça é uma pérola que não admitiria rótulos, mas a gente não consegue: teatro jovem, teatro-dança, dança-teatro, teatro de movimento, teatro narrativo, teatro de depoimentos, teatro documental, é tudo isso e muito mais. Estreou em 2017 no Festival de Curitiba e já circulou por diversas regiões do Brasil e por festivais internacionais. Em São Paulo, é a primeira temporada. Não perca.

Fala de dois garotos, na idade entre a infância e a adolescência, órfãos, internos de uma instituição, esperando pela adoção – ou, antes, inseguros, muito inseguros, pois quem disse que essa será a melhor solução para meninos que, a partir dos 4 anos, já são considerados meninos-velhos, com idade demais para serem adotados? Um deles, aliás, fugiu dos pais adotivos que batiam muito nele, achando que bater seria o corretivo ideal para encaixá-lo nos moldes da família que queriam ser. Em vez de conhecer e respeitar o jeito do menino que adotaram, queriam moldá-lo.

É uma peça tão forte, tão poética, tão delicada. Ideal para famílias burguesas levarem seus filhotes bem nutridos para que esses jovens privilegiados conheçam outra realidade da vida, outras facetas deste Brasilzão de contrastes. A realidade dos meninos que vendem bala no farol. Nada é grosseiro, nada é militante, nem impositivo. Tudo é sugerido e muito tocante.

Em essência, uma história de amor fraterno, de amizade entre dois meninos que se tratam por ‘mano’. Como é lindo ver a força que um faz para agradar o outro, como é lindo ver como o mais maleável e carinhoso tenta derrubar as barreiras que o outro levanta entre eles – mais duro, mais ‘revoltadinho’, como a peça diz. Como é lindo ver que se batem e se provocam, como forma de se acarinhar. O aspecto físico da peça é muito importante e bem desenvolvido. É de encher os olhos de água. Que bom gosto também nos diálogos, que gestual impecável, que vontade de subir no palco e abraçar forte aqueles dois atores, aqueles dois meninos tão carentes, que ainda conseguem expressar amor, apesar de toda a dureza de vida que tiveram precocemente, apesar da falta de infância, da falta de afeto.

A peça alterna momentos dialógicos entre os dois intérpretes e trechos silenciosos de pura dança-teatro, no melhor estilo. Há muitos depoimentos gravados e apresentados em off, enquanto os dois atores incríveis (Felipe Soares e Ramon Brant) enchem o palco com seus jogos de corpos, embates físicos, coreografias impactantes, brincadeiras de moleque, tudo milimetricamente coreografado. Que bom gosto. Que direção precisa (Tiago Gambogi e Zé Walter Albintati). Posso escrever mais e mais parágrafos de adjetivos e nada será mais forte do que sentarmos naquela plateia e constatarmos com nossos olhos – e todos os sentidos – como Chão de Pequenos orgulha o teatro brasileiro contemporâneo. O espetáculo atualmente é indicado do 5º Prêmio Sinparc de Artes Cênicas em sete categorias: Texto Inédito, Espetáculo, Diretor, Ator, Ator Coadjuvante, Criação de Luz e Trilha Sonora. Merece ganhar tudo. Reparem também na presteza narrativa da trilha!

Os dois atores, aliás, deveriam levar não só esse, mas todos os principais prêmios do ano, existentes neste País.  Que dupla entrosada, que trabalhos impecáveis e sensíveis de dois jovens atores completos, prontos para qualquer papel na vida e no palco. Como explica o programa, “toda a dramaturgia é baseada em histórias reais, num intenso processo de pesquisa em que foram realizadas entrevistas com várias famílias e pessoas que têm relação com o tema da adoção”. Não deixe de ver, se você de fato gosta de bom teatro.

Prestigie esses mineiros, que eles merecem muito.

Serviço

Chão de Pequenos

Companhia Negra de Teatro
Temporada: de 12 de setembro a 12 de outubro de 2019
Quinta a sábado, às 20h30.
Nos dias 21 de setembro e 12 de outubro, sábados, as sessões serão às 18h.
Local: Sesc Pinheiros – Rua Paes Leme, 195 – Auditório (3º Andar)
Duração: 55 minutos | Classificação: 12 anos
Ingresso: R$ 25 (inteira), R$ 12,50 (aposentado, pessoa com mais de 60 anos, pessoa com deficiência, estudante e servidor de escola pública com comprovante) e R$ 7,50 (trabalhador do comércio de bens, serviços e turismo matriculados no Sesc e dependentes/Credencial Plena)